Antigos poetas chineses valorizam a natureza, a arte e o espiritual

Por Leo Timm
21/11/2022 14:47 Atualizado: 13/01/2023 12:04

O escritor alemão Hermann Hesse, conhecido por seus trabalhos sobre a natureza e por seu fascínio em relação à cultura oriental, escreveu uma pequena história, um conto de fadas passado na China antiga. Intitulada “O Poeta”, a história retrata a vida e obra de Han Fook, um aspirante a poeta que deixa a vida secular para treinar com um velho e misterioso sábio, que se apresenta como o Mestre da Palavra Perfeita. Este é um de oito contos de uma publicação de 1972 intitulada “Estranhas notícias de outra estrela”.

O herói de Hesse encontra o sábio enquanto observa a beleza indescritível de um festival da lanterna refletido no Rio Amarelo, na sua cidade natal. Inspirado pelo sentimento de que “a verdadeira felicidade e satisfação profunda” só poderão ser manifestadas ao espelhar a “essência do mundo” em sua poesia, Han Fook depara-se com um estranho homem velho com roupas cor de violeta, que revela sua identidade como Mestre e o encaminha para as montanhas.

Hermann Hesse in 1946 (Public Domain)
Hermann Hesse em 1946 (Domínio Público)

O ponto mais marcante na história de Hesse é a ideia de expressar, através da arte, a pureza do pensamento em um mundo de fenômenos caóticos. Embora inicialmente Han Fook tinha saído de casa para aprimorar seus talentos e ficar famoso, ele gradualmente abandona o apego à busca mundana durante seu treino. Ele descobre uma forma de realização mais elevada, que não se baseia em ganhos mundanos.

O compatriota de Hesse, Johann Wolfgang von Goethe, escreveu no soneto “A natureza e arte”, que a arte é um reflexo da natureza, que, tal como o protagonista de Hesse descobre, oferece verdadeira liberdade.

“Natureza e arte, elas parecem seguir caminhos distintos,
Porém, de repente elas se encontram.

Realmente, só um esforço honesto é merecedor!
E somente quando medimos as horas
E nos ligamos à arte com espírito e diligencia,
Irá a natureza de novo fazer nossos corações brilhar.”

(traduzido do textlog.de)

A arte como busca pela união do homem com a natureza é um tema comum, que pode ser encontrado em toda a literatura chinesa, assim como mostra o trabalho de dois famosos poetas eremitas da China que viveram há mais de mil anos.

Tao Yuanming e o anseio pela natureza

Tao Qian (365-427), também conhecido como Tao Yuanming, era um funcionário do fragmentado período das Seis Dinastias (220-589). Depois de muitos anos de serviço, ele ficou desiludido com os aborrecimentos da vida política e foi viver no campo, onde compôs muitas obras famosas.

“Tao Yuanming sentado sob um salgueiro”, pelo artista japonês Tani Buncho, 1812 (Domínio Público)

Em “Voltando a residir no campo; Volume 1”, ele clarifica esta fuga para a natureza e da labuta secular.

“Desde jovem que eu não me adapto aos costumes do mundo:
A minha natureza nutre amor pelas colinas e montanhas.

Pássaros engaiolados anseiam pelos seus velhos bosques;
Os peixes do lago pensam na profundeza dos rios.
Eu ocupei um pouco de terra no baldios do sul,
Mantendo a minha simplicidade, eu voltei para cultivar a terra.

Minha casa não tem o tumulto do mundo mundano;
Em seus quartos vazios, há a riqueza do lazer.
Por muito tempo eu vivi engaiolado,
E agora retorno à natureza.”

(traduzido do gushiwen.org)

Um dos trabalhos mais famosos de prosa de Tao Yuanming, a “Flor do Pessegueiro Primaveril”, descreve a viagem do narrador para uma terra secreta, escondida do mundo exterior. Após a harmoniosa, porém curta, estadia, o viajante deixa essa terra com a intenção de retornar. No entanto, mesmo com o apoio de um amigo rico, ele nunca mais foi capaz reencontrar este lugar utópico através da busca externa.

Assim como Tao Yuanming é impulsionado por um desejo de regressar ao reino natural, o protagonista de Hesse é motivado por um desejo inato de refletir a beleza do mundo em palavras. Ele sente que tem uma oportunidade predestinada de estudar e aprender com o Mestre da Palavra Perfeita, e abdica de sua noiva e de seu cargo, para treinar no deserto.

O sentimento de predestinação é reconhecido pelo pai de Han, que supõe que seu caminho tenha sido arranjado por um Deus. Han Fook parte para as montanhas do noroeste e começa o cultivo de sua arte, que, segundo o próprio, pode levar muitos anos.

 

Cultivando a maestria artística no Santuário da Natureza

À medida que Han Fook intensifica seu treinamento, logo fica claro que sua habilidade não é o único tema de seu cultivo – ele próprio deve se elevar espiritualmente. Ele regressa diversas vezes à sua casa, com o pensamento de que está perdendo na vida. Entretanto, todas as vezes, ele acaba sendo atraído de volta para a floresta e para o seu mestre, que lhe transmite conhecimentos através de dicas e instruções simples, e utiliza a flauta e a cítara como instrumentos de ensino.

O uso da música tem um significado profundo na tradição espiritual chinesa. Foi considerada por Confúcio, o grande professor moral e social, como fundamental na governança harmoniosa. Da mesma forma, a arte da própria poesia serve como um conector lírico entre os limites da linguagem humana e as inumeráveis expressões do reino natural visceral.

A obra poética chinesa está permeada com cenas da natureza e fala sobre a influência de um plano mais elevado. Wang Wei, um poeta do século VIII da Dinastia Tang, que cedo se tornou um devoto do Budismo Zen, é um exemplo de renome.

Em “A Casa do Extremo Sul”, ele descreve sua mudança para as montanhas em busca de um “bom caminho”, e que, eventualmente, perdeu a noção do tempo enquanto conversava com um homem velho que encontrou na natureza.

Os poemas de Wang Wei focam-se em cenas que retratam a grandiosidade do mundo natural; os seres humanos, mesmo quando aparecem, estão no diminutivo.

Em “A vida da montanha na noite de outono”, Wang Wei escreve sobre enormes montanhas após uma chuva, demonstrando a magnitude do Céu e da Terra. Em seguida, através das florestas de pinheiros e dos riachos de primavera, ouve-se o falar das mulheres em uma moita de bambu. A linha final do narrador expressa sua humilde satisfação com a cena.

O poema de Wang Wei “A vida da montanha na noite de outono”, sobreposta na pintura por Xin Tian (Xin Tian / Epoch Times)

É essa reverência humilde que Han Fook desenvolve diante de seu mestre e, mais importante, diante do mundo. Ele mesmo se torna desapegado em relação à passagem do tempo. Ele abdica não apenas da sua fortuna secular, mas também do seu desejo de realização secular, em troca do pleno domínio de sua vocação.

Han Fook só foi capaz de encontrar o que estava procurando através de uma perda aparente. Como Goethe disse em “Natureza e Arte”:

“Aquele que busca a grandeza deve se harmonizar:
O Mestre revela-se apenas na limitação,
E somente a lei pode nos dar liberdade.”

Transcendendo o elemento humano, deixando a dimensão secular

Após a partida repentina de seu mestre, Han Fook percebe que sua formação está completa e retorna à sua cidade natal. Ele olha o mesmo festival da lanterna que o despertou para sua odisseia espiritual. Olhando para a cena do outono, Han Fook, agora um homem velho e o novo mestre, contempla a perfeição não só na natureza, mas em sua dicção, que agora se assemelha ao reflexo nas águas do Rio Amarelo.

O mundo descrito nos versos da poesia chinesa – o domínio das “palavras perfeitas”, como Hesse a chamou – é alcançado através de elevação espiritual e do desapego em relação aos interesses materiais.

A poesia de Tao Yuanming, Wang Wei, e de posteriores mestres da Dinastia Song, uniu a arte lírica da poesia com a sabedoria dos professores e filósofos chineses clássicos. O vasto corpo de obras famosas e a riqueza da língua escrita chinesa atingiram um público amplo, que vem sendo cultivado ao longo de séculos, e se expande para além das fronteiras da própria China.

 

 

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