VI BitConf: corretoras de criptomoedas convergem sobre regulação

11/05/2018 22:24 Atualizado: 12/05/2018 01:06

Por Bruno Menezes, Epoch Times

SÃO PAULO─As principais corretoras que participaram da sexta edição da Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas (BitConf), em São Paulo, concordam com a regulação do dinheiro digital descentralizado. Segundo elas, é preciso definir regras mínimas, para proteger tanto o cidadão comum quanto as empresas. O evento ocorreu entre os dias 5 e 6 de maio no World Trade Center, o mais completo complexo empresarial da América Latina, na Zona Oeste da capital paulista.

“O sistema tradicional financeiro não vai deixar de existir, com certeza vai coexistir com o mundo e o mercado das criptomoedas. Todos nós queremos uma regulação que defina um pouco de regras sobre as criptomoedas”, analisa Watson Silva, advogado e especialista em direito empresarial e diretor jurídico da corretora Inoex, apoiadora evento. No entanto, desde já, ela não é indispensável para que alguém que tenha se sentido lesado por uma exchange reclame seus direitos, segundo ele.

“As corretoras têm responsabilidade sobre aquilo que tomaram como guarda. Desconheço algum julgado do tipo, mas entendo que há sim a possibilidade jurídica de alguma pessoa que eventualmente perdeu ativos em uma exchange por culpa desta poder procurar o judiciário para tentar reaver aquilo que perdeu, independentemente de regulação.” Neste caso, explica, o Judiciário provavelmente fará uso, por analogia, de alguma norma existente para julgar.

VI BitConf (Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas), no World Trade Center, em São Paulo (Jan Hendriks Jr., para Epoch Times)
VI BitConf (Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas), no World Trade Center, em São Paulo (Jan Hendriks Jr., para Epoch Times)

Porém, de acordo com o advogado, as regras existentes são ainda insuficientes. “É necessário regular. A regulação ajuda e ela vai trazer tanto proteção aos investidores em criptomoedas como às empresas que também trabalham com esses ativos.”

Marcelo Rozgrin, cofundador da Braziliex, exchange brasileira patrocinadora da conferência, também concorda com uma regulação e vem participando das discussões do Congresso Nacional. “Criptomoeda é algo que está surgindo, é novo no mundo, e nós temos alguns desafios pela frente, como a regulação. Participamos da Abcripto, que é uma associação criada exatamente para ser essa interface com o Legislativo. Estamos engajados nisto”, conta.

VI BitConf (Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas), no World Trade Center, em São Paulo (Jan Hendriks Jr., para Epoch Times)
VI BitConf (Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas), no World Trade Center, em São Paulo (Jan Hendriks Jr., para Epoch Times)

Joel de Souza, CEO da BRE Coins, corretora brasileira e também uma das patrocinadoras, advoga por uma regulação diferenciada, que respeite as características das criptomoedas. “As criptomoedas precisam ser reguladas no menor tempo possível. As nações mais competitivas estão muito à nossa frente nisto. Mas este processo implica designar legisladores que saibam pensar sobre as moedas digitais, sem tentarem aplicar os conceitos das moedas fiduciárias, ou seja, não podem dispensar um tratamento de moeda governamental para uma moeda digital”, adverte.

“As moedas governamentais, seja em sua forma física ou eletrônica, estão absolutamente sujeitas às imposições dos legisladores”, prossegue. “No caso das moedas digitais, essas imposições são limitadas, o que desagrada a muitas autoridades acostumadas com moedas circunscritas às unidades da federação.”

VI BitConf (Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas), no World Trade Center, em São Paulo (Cortesia de PortaldoBitcoin.com)
VI BitConf (Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas), no World Trade Center, em São Paulo (Cortesia de Portal do Bitcoin)

Fabio Toffani, CEO da exchange brasileira Coinbold, outra apoiadora do encontro, enxerga com bons olhos a regulação do mercado das criptos: “Isso trará regras e normas a serem seguidas por seus agentes. Regular não é proibir, e esta confusão, por vezes presente na cabeça das pessoas, gera pânico nos evangelistas do criptomercado. A regulação permite que uma maior gama de investidores acessem o mercado, desde os institucionais locais aos estrangeiros.”

Para o executivo, a regulação, entretanto, deve se limitar aos parâmetros mínimos para a estabilidade e segurança dos investidores e também das corretoras, como a aplicação de um bom “compliance” (identificação da procedência das transações), dentre outros. Mas jamais avançar sobre pontos vitais como a emissão de moeda — enquanto a discussão acerca de outras possibilidades de manipulação segue em aberto.

“O mais correto seria nos pautarmos pelas regras já existentes em países mais avançados neste assunto, como o Japão, por exemplo. Caso os órgãos optem por criar parâmetros que foram impostos em outras regulações do mercado financeiro, talvez tenhamos um equívoco, por estarmos tratando de um universo de criptomoedas, que difere de qualquer mercado já existente.”

VI BitConf (Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas), no World Trade Center, em São Paulo (Cortesia de Coinbold)
VI BitConf (Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas), no World Trade Center, em São Paulo (Cortesia de Coinbold)

Pierre Pereira, CEO da AllCoinWallet, uma carteira digital e corretora americana de criptos que opera no Brasil, outra patrocinadora do evento, é otimista sobre uma regulação no país, mas ressalta que não há ilegalidade, uma vez que ainda inexiste lei sobre o tema. “Queremos fazer parte desta evolução, ajudar a formular esta lei. As criptomoedas são algo que veio para ficar, é simplesmente os países do mundo, bem como o Brasil, inventarem uma lei para que possam coletar um pouco de impostos em cima, e isto é tudo.”

Fabrício Sanfelice, sócio e diretor de marketing da Atlas Quantum, uma operadora fintech de arbitragem automatizada de bitcoin e coorganizadora da VI BitConf, é “totalmente contra” a regulação de maneira geral. “O mercado (cripto) se desenvolveu até aqui sem ter ninguém regulando, as prórias empresas de criptomoedas criaram mecanismos para se proteger e para dar mais segurança aos investidores”, destaca.

“Eu acredito que não deva ter regulação, esse é o meu pensamento, não gosto desse tipo de discussão que vem no sentido de proibir. Se for haver discussão, tem que ser no sentido de legalizar a criptomoeda, de transformá-la em um meio de pagamento mesmo, como uma moeda, mas sem tributação, sem taxação, sem restrições aos novos negócios.”

Sanfelice é cético quanto a uma regulação que não interfira na liberdade de iniciativa e cita como exemplo a própria história da Quantum. “A nossa startup começou no final de 2015 sem nenhuma estrutura. É importante que outras empresas também possam surgir nesse mesmo nicho. Tem muita gente jovem envolvida com criptomoeda ─ se colocar uma restrição agora, não vão conseguir desenvolver seus negócios. Pelo menos, observem pelos próximos dez ou 15 anos antes de pensarem em fazer alguma coisa a respeito, mas deixem livre”, recomenda.

Watson Silva acredita que é possível se chegar a bom termo, inclusive porque a questão já domina o debate internacional, como durante a última reunião do G20, no início deste ano, na Argentina — o grupo que reúne as 20 maiores economias do planeta — cujo painel principal de discussão foi exclusivamente sobre as criptomoedas. “E eles chegaram ao etendimento de que é preciso sim fazer uma regulação, para dar um pouco de padrão no que diz respeito às criptomoedas no mundo”, ressalta.

Morosidade

Em sua percepção, no entanto, este não parece ser o caminho que vem sendo trilhado pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ele cita as declarações recentes de ambos os órgãos contra o dinheiro baseado em blockchain, como a do Banco Central no fim do ano passado, quando este afirmou não reconhecer as criptomoedas como ativo financeiro. “E por não reconhecer, ele também não regula e não fiscaliza”, explica Watson.

No dia 2 de janeiro deste ano, a CVM, que já havia se manifestado em outras ocasiões a respeito das criptomoedas, notificou as administradoras de fundos de investimento privando-as do investimento direto em criptomoedas, por também não reconhecê-las como um ativo.

“Mas a gente também percebe que a CVM já está mudando um pouquinho a sua concepção em relação a isso, porque, em 18 de abril agora, um de seus superintendentes se manifestou no sentido de que o órgão já está estudando uma forma de traçar limites para que investimentos em criptomoedas sejam feitos.”

“O que se tem hoje no país em relação a regulação está muito, mas muito incipiente ainda. E eu não vejo os órgãos reguladores dispostos a articular qualquer regulação em curto prazo”, avalia.

Para o especialista, a situação no Congresso também não é diferente. Ele se refere como absurdo ao primeiro relatório do PL 2305, de 2015, que trata da regulação das criptomoedas e dos programas de fidelidade. “Isolava o Brasil do resto do mundo, porque simplesmente criminalizava qualquer pessoa ou empresa que trabalhe ou faça qualquer transação em criptomoedas. Então levou o assunto para o código penal, o que traria um retrocesso imenso para o país. Mas, graças a Deus, houve várias propostas de emendas, e agora está parado. Por enquanto, não deu em nada.”

Silva espera que as discussões sejam retomadas ainda este ano para que se chegue a um relatório efetivo que beneficie o mercado. Mas para ele, ainda falta mobilização do setor cripto. “Falta muita mobilização. As empresas, as exchanges e aquelas pessoas que trabalham com criptomoedas não conseguiram se unir de forma sólida para terem força para ir ao Congresso brigar por uma regulamentação séria, brigar por algo que venha a beneficiar todo o mercado. Hoje existem pelo menos três instituições relacionadas a criptomoedas, todas as três muito pulverizadas, não conversam direito, não se unem. Quando há uma divisão de forças, toda a categoria sai prejudicada.”

Legalidade

A legalidade do dinheiro digital descentralizado propriamente dita é ponto pacífico não apenas entre as corretoras, como provavelmente para a unanimidade dos participantes da BitConf. “Não existe uma lei que proíbe nem uma lei que apoie”, observa Pierre, da AllCoinWallet. Embora americana, a empresa decidiu iniciar suas operações pelo Brasil, por, paradoxalmente, ainda considerá-lo menos burocrático do que a “terra da liberdade”. “Nos Estados Undos, você precisa obter uma licença em cada estado (são 50 unidades federadas), ao custo de US$ 100 mil cada. É um processo mais lento e custoso, mas estamos caminhando para lá”, anuncia.

“No direito brasileiro hoje há uma premissa que diz assim: aquilo que não é proibido é permitido”, ensina Silva, da Inoex. “Se não há uma regulação que proíba ou que limite qualquer transação ou movimentação de criptomoedas, isso se torna permitido no país atualmente, como é permitido em todo o resto do mundo.”

“Tratar as exchanges como operações ilícitas e alijadas do sistema bancário é uma demonstração clara de anacronismo sustentado sob o pseudo-objetivo de preservar o sistema financeiro de uma operação não regulada. Entretanto, quando no futuro os bancos brasileiros estiverem operando com as moedas digitais e com a tecnologia blockchain em suas diversas formas e aplicações, os argumentos serão compostos de bilhões em lucros vindos do mundo das moedas digitais”, arremata Joel, da BRE Coins.

VI BitConf (Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas), no World Trade Center, em São Paulo (Jan Hendriks Jr., para Epoch Times)
VI BitConf (Conferência Brasileira Sobre Bitcoin e Criptomoedas), no World Trade Center, em São Paulo (Jan Hendriks Jr., para Epoch Times)

“Não tivemos nenhum problema até o momento. A nossa empresa é originalmente registrada em Yellowstone, nos Estados Unidos, a entrada e a saída dos investimentos é toda em criptomoeda, nós não operamos com moeda fiduciária. Isto nos dá segurança bancária, porque não estamos realizando nenhuma operação cambial, não estamos envolvidos com o sistema regulatório brasileiro diretamente. Estamos tranquilos quanto a isso, nossa segurança jurídica hoje é bem reforçada”, assegura Fabrício, da Atlas Quantum.

Apesar da escassez das disposições legais, segundo Watson Silva, não se pode afirmar que não existe regulação alguma. “Temos um mínimo: essas manifestações e posicionamentos do BC e da CVM. Ambos entendem que as criptomoedas não são ativos financeiros, mas a Receita Federal entende que sim é, tanto é que tributa”, pondera, se referindo aos 15% atualmente cobrados sobre grandes ganhos de capital em trasações de criptomoedas.

“Mas a Receita Federal faz o papel dela, que é tributar tudo. Há um princípio no direito tributário que se chama ‘pecunia non olet’: ‘o dinheiro não tem cheiro’. Por esta lógica, se houve ganho de capital com venda de narcóticos, isso é tributado, hipoteticamente, claro. Tal é o princípio que a Receita, por analogia, já vem aplicando às criptomoedas.”