Bandão da Escola Portátil homenageia Altamiro Carrilho

21/08/2012 09:10 Atualizado: 28/02/2018 16:36

Compositor é lembrado e ovacionado pelo maior conjunto de choro do mundo

RIO DE JANEIRO – O Bandão da Escola Portátil de Música (EPM) prestou homenagens póstumas ao músico, flautista e compositor brasileiro Altamiro Carrilho na tarde deste sábado (18) no jardim do Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), localizada no bairro da Urca. Um dos maiores instrumentistas que o Brasil já teve, Altamiro faleceu na quarta-feira passada aos 87 anos, vítima de um câncer de pulmão.

O conjunto executou clássicos do choro e encerrou a apresentação com duas peças do homenageado, “O Flautista Triste” e “Maxixe das Flores”. Público, professores e funcionários fizeram uma longa salva de palmas para Altamiro, reforçada pelo som dos instrumentos dos mais de 400 integrantes deste que é o maior regional (conjunto de choro) do mundo.

Logo antes do encerramento, a produtora, cavaquinista e compositora Luciana Rabello, uma das coordenadoras e fundadoras da EPM, tinha lembrado a importância de Altamiro Carrilho para música brasileira e pedido um minuto de silêncio em sua memória.

Altamiro Carrilho. (Cortesia da Associação Brasileira de Flautistas/ABRAF)

O violonista, arranjador e compositor Mauricio Carrilho, sobrinho de Altamiro e também um dos coordenadores e fundadores da EPM, prefere ficar com o legado que com a perda do tio. “Nenhum de nós é imortal, tem um dia que chega a hora de cada um. O Altamiro produziu tanto, trabalhou tanto e foi tão importante como músico, produtor, professor, compositor e como influência para várias gerações. Foram 70 anos de profissão, 80 de flauta. Então isso que é legal, a gente ver que uma pessoa cumpriu a sua missão aqui. O legado que ele deixa é muito maior do que a perda do convívio com ele”, disse Mauricio ao Epoch Times confessando, porém, que lamenta muito sua perda.

“Ele era uma pessoa de uma alegria muito grande, um cara que aonde chegava deixava todo mundo feliz, dava risada, contava piada, e isso vai fazer falta, com certeza. Mas a música e o trabalho dele vão ficar, então vamos continuar o que ele começou. Na verdade o que ele continuou, porque ele foi o continuador do trabalho de Patápio Silva, Pixinguinha e Benedito Lacerda, e ele passou agora o bastão para uma geração que, com certeza, vai honrar a memória dele e de seus antecessores”, conta Carrilho acrescentando que sua escolha pela carreira de músico se deve a Altamiro.

“Ele foi a primeira referência musical que eu tive, talvez a mais importante, e com certeza eu não seria músico se ele não existisse. E eu acho que assim como aconteceu comigo aconteceu com muita gente, então a memória dele tem que ser celebrada de uma forma positiva, por tudo o que ele deixou de bom pra gente. O sentimento que fica é de felicidade pelo que ele conseguiu produzir, realizar e deixar de exemplo”, declara.

“Eu nasci numa época em que ele estava fazendo muito sucesso com a ‘bandinha’”, recorda Mauricio se referindo à ‘Bandinha do Altamiro’, formada pelo flautista em 1955. “Isso foi muito importante, pois era uma referência para toda uma geração, a gente ouvia no jardim de infância os discos do Altamiro, era uma coisa assim muito popular e todo mundo da minha geração o tem como referência. Teve um período em que ele tinha também um programa infantil na televisão e a gente não perdia um”, conta, se referindo ao programa Carrossel Musical, também na década de 50, na TV Rio. “Ele teve importância em vários setores.”

Sobre o fato de Altamiro Carrilho ter sido considerado o melhor do mundo em seu instrumento por Jean-Pierre Rampal (1922-2000), celebrado flautista francês a quem se atribui o resgate da popularidade da flauta como instrumento solo desde o século XVIII, Mauricio cita o flautim, espécie de flauta muito pequena e de difícil execução com o alcance mais agudo que existe. “Há vários flautistas e escolas no mundo, então é difícil comparar. Agora, com certeza, talvez nunca tenha havido alguém que tocasse flautim igual a ele. Isso foi algo reconhecido em todo lugar que ele tocou, incluindo uma turnê que fez pela União Soviética, ele era apresentado assim. Eu já vi muita gente tocar esse instrumento e nunca vi ninguém fazer o que ele fazia, isso é, a perfeição de som e afinação, além do virtuosismo, que era um absurdo.”

Mauricio Carrilho vê o futuro com otimismo e acredita que, no Brasil e em todo o mundo, Altamiro continua vivo na vida das pessoas e na música de grandes flautistas e instrumentistas da atualidade. Para o compositor, o estilo do tio está em ótimas mãos. “O Altamiro fez parte de uma escola de grandes flautistas brasileiros, que começou lá atrás com Callado. Ele deu procedimento e deixou seguidores: a gente tem hoje o Antônio Rocha, tem o Dudu Oliveira, tem uma porção de gente tocando com esse estilo dele e que com certeza vai dar continuidade a essa linhagem de grandes flautistas brasileiros.”

Escola de Choro

A Escola Portátil de Música foi criada em 2000 por grandes músicos de choro com a proposta de promover a educação musical através da linguagem do choro e, ao mesmo tempo, preservar e perpetuar este gênero genuinamente brasileiro. Antes de se instalar no Instituto Villa-Lobos da Unirio, a EPM passou por outros três lugares: Sala Funarte, Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Instituto Casa da Glória.

No início a escola possuía 50 alunos e hoje forma profissionalmente mais de 800 estudantes em 14 instrumentos e canto, além de teoria musical, arranjo, composição e prática de conjunto. Com 28 professores, a EPM é uma iniciativa do Instituto Casa do Choro e atualmente tem o patrocínio da Petrobras. O Bandão da escola, com seus ensaios semanais abertos ao ‘pé’ do Morro da Urca, já figura na agenda cultural da cidade maravilhosa tendo se tornado também atração turística.

‘Portátil’ é uma referência aos pequenos e tradicionais conjuntos de choro formados por flauta, violões, bandolim, cavaquinho e pandeiro conhecidos como ‘regionais’, que surgiram no início do século retrasado no Rio de Janeiro como uma alternativa “de bolso” às bandas militares, cujos instrumentos eram muito pesados para atender à demanda por bailes em pontos diversos da cidade, que começava a se urbanizar.

O choro é um gênero musical instrumental nascido no Rio de Janeiro no início do século XIX a partir da maneira abrasileirada de se interpretar gêneros estrangeiros como as músicas de dança de salão europeias, entre elas a polca, a modinha e o schottish, com o suingue das músicas de dança afro-brasileiras como o lundu. Virtuosismo técnico e improvisação, além de certo caráter informal, são algumas das características do gênero, que transita entre o erudito e o popular.

Grandes nomes da música erudita contemporânea nacional e estrangeira compuseram obras inspiradas pelo choro, como o brasileiro Heitor Villa-Lobos e o francês Darius Milhaud. Também a música erudita inspirou grandes nomes do choro, como o flautista Altamiro Carrilho, que gravou uma série de discos intitulados ‘Clássicos em Choro’, nos quais interpreta música clássica em forma de choro. Altamiro também se apresentou com orquestras sinfônicas em diversas ocasiões interpretando o ‘Concerto em Sol Maior’ de Mozart.

Bandão da Escola Portátil de Música, no jardim do Centro de Letras e Artes da Unirio, aos pés do Morro da Urca. (Bruno Menezes/The Epoch Times)
A cavaquinista e compositora Luciana Rabello se emociona com o tributo a Altamiro Carrilho no Rio de Janeiro. (Bruno Menezes/The Epoch Times)
O violonista e arranjador Mauricio Carrilho na apresentação do Bandão da EPM. (Bruno Menezes/The Epoch Times)