A independência do Brasil na Bahia e o sentimento perdido | Opinião

Por Matheus Andrade
07/07/2023 14:19 Atualizado: 07/07/2023 17:34

Essa semana, no dia 02 de Julho, comemorou-se, na Bahia, o bicentenário da Independência do Brasil na Bahia — uma história incrível que merece mais estudo.

Se você tivesse nascido na Bahia no início do século XIX, teria vivido em um lugar muito diferente do de hoje. Embora Salvador não fosse mais a capital da colônia portuguesa desde 1793, a Bahia ainda era muito importante para o território que hoje chamamos Brasil. O recôncavo baiano (terras que rodeiam a Baía de Todos-os-Santos) trazia consigo o prestígio e a riqueza dos donos de engenho e da produção do açúcar, tão precioso no território europeu. 

Paris era a principal cidade da Europa e a França fervilhava entre o absolutismo real e os revolucionários que buscavam a derrubada do regime imperial. A revolução francesa teve início em 1789 e seu término em 1799 com a ascensão de Napoleão ao poder. Em 1804 Napoleão era imperador da França, e na sua escalada já havia subjugado grande parte da Europa. 

Portugal ainda não havia caído diante do terror napoleônico e poucas alternativas sobravam para o povo português. Quando Napoleão resolveu invadir o pequeno país, a corte portuguesa havia embarcado em direção ao território de sua posse localizado nas Américas. Dom João trazia na bagagem além de muitas riquezas, um triunfo diante da derrota certa contra o exército francês e Napoleão ficara “a ver Navios” na cidade de Lisboa

Em 1808 a família real chegava a sua “grande fazenda” no novo mundo — naquela época o Brasil não passava disso. D. João VI foi bem arrojado nesse novo business. Abriu os portos às nações amigas, trouxe tecnologia, abriu universidades, criou o Banco do Brasil, investiu em infraestrutura, fez a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, e fez até uma fábrica de pólvora (será que ele deixaria alguém invadir a terra dele?). Essa nova administração foi muito positiva e bons tempos marcaram essa breve estadia de D. Joao que foi embora em 1821 com a Revolução do Porto. Dom João havia gostado do clima tropical e voltou a contragosto para Lisboa, mas deixou seu filho como regente para que dois anos mais tarde, às margens do Ipiranga a nossa independência fosse proclamada. 

O Brasil como um ente com senso de identidade nacional ainda não existia nessa época, o território era organizado por províncias, e pouca coisa unia essas fatias de terra que obedeciam ao rei e ao parlamento de Portugal, que ficavam em Lisboa. 

Com as notícias de que Dom Pedro I havia proclamado a independência, as instituições portuguesas não viram com bons olhos perder aquela bela terra do outro lado do mar. Para evitar que o sentimento da independência se espalhasse pelas províncias, o governo português decidiu mandar uma junta militar para garantir que o território da Bahia — que fora capital da colônia por mais de 200 anos — se mantivesse sob o controle e a tutela de Portugal. 

A elite do Recôncavo Baiano torceu o nariz quando se percebeu ameaçada pela corte portuguesa com a perda de benefícios alcançados no período da chegada da família Real. Mesmo assim, não houve unanimidade: uma parte da população apoiava o governo português e a outra a adesão ao pedido de Independência de Dom Pedro.

Vejamos agora, caro leitor, onde você entra na história. Se você fosse um jovem mancebo soteropolitano vivendo naquele mundo que, apesar dos portos e da condição de polo regional, muito tinha de provinciano e visse um general do governo português cercar com seu exército o parlamento da sua cidade — a maior da colônia, diga se de passagem — ficaria sem dúvida muito impressionado. Com toda certeza o assunto seria comentado nas cidades e aí… você sabe como é fofoca, né? A notícia corre. E acontece que correu mesmo. A conversa chegou no ouvido dos barões do açúcar que não gostaram da ideia de serem tratados como subalternos e de prontidão já colocaram a influência das câmaras de Cachoeira e Santo Amaro em campo. Havia intelectuais na Bahia, e eles também participaram dessa guerra. Aliás, posso dizer que sem eles, não se ganha uma guerra. 

A guerra sempre é dura, mas o povo daquela época havia aprendido o significado da palavra honra. O medo havia se espalhado pela cidade e o exército do lusitano General Madeira de Melo era muito truculento. Andavam vasculhando tudo. Um dia uma guarnição queria entrar no convento da Lapa, em Salvador, e uma freira não permitiu o acesso, ela manteve sua honra e bravamente protegeu suas irmãs até que sua vida fosse ceifada. Joana Angélica era o seu nome e a sua morte não foi em vão. Nascera das cinzas dela um sentimento de amor quase familiar no povo baiano e a guerra foi adiante.

Esse sentimento é expressado no hino da Bahia: 

“Nunca mais, nunca mais o despotismo

  Regerá, regerá nossas ações 

  Com tiranos não combinam, 

  Brasileiros, Brasileiros corações.”

O fato é que, sendo você um jovem naquela época, teria que escolher um lado. E essa decisão pedia pressa: ou estar ao lado da coroa portuguesa e viver subjugado como colono; ou lutar pela independência e a não se submeter à tirania; 

Independente do escolhido, você muito provavelmente — se ainda estivesse vivo — chegaria à batalha de Pirajá. Mas convenhamos, o sujeito que se submete a qualquer coisa, via de regra, não é lá um exemplo pra todos. Portanto, jovem mancebo, eu o colocarei na batalha de Pirajá, no lado do exército baiano, com uma baioneta, daquelas que tem uma lâmina na ponta e que pra recarregar cada tiro demora uns 15 minutos. Ao seu lado luta o povo: caboclos, brancos, índios, negros. Uma delegação de vaqueiros, lideradas por um padre, saiu com seus gibões de couro da cidade de Pedrão para unir forças com os seus irmãos. 

É o momento prévio à sangrenta batalha. A boca seca. O medo da morte o faz pensar em tudo o que ainda poderia viver mas vibra no peito a certeza que você jamais viverá como um escravo. Muitas pessoas na história morreram por não abrir mão dos seus valores. Ali, você, meu jovem, era um desses rapazes de coragem. 

O exército inimigo era maior, mais profissional e muito bem equipado. A batalha era atroz e o exército português levava a melhor. Vendo a possibilidade de conter os danos, o general mandou o corneteiro tocar o toque de recuar. Tem certas coisas que só se vê na Bahia, e essa é uma delas: perder aquele combate poderia significar perder a guerra, e o corneteiro, tomado por aquele sentimento, estava disposto a morrer ao invés disso. Em um ato de bravura, desobedeceu a ordem do General e soou o toque para avançar e degolar. 

Não havia nenhuma “tocaia” preparada, não havia sequer uma cavalaria, o que havia na mesa era um blefe. Nesse momento o exército baiano tomou força e avançou, o exército português — que até aí estava vencendo — começou a recuar. Em cima de 3500 cadáveres o povo baiano logrou êxito e muito em breve marchou vitorioso pelas ruas de Salvador. 

A perspectiva de um jovem nessa história, ajuda a entender o valor da liberdade. Se algum dos nossos antepassados que sangraram por nós vissem quem nós nos tornamos, certamente estariam decepcionados. O mesmo sentimento que guiou o povo baiano estava presente no coração do povo americano quando da guerra civil naquele país ou no coração do Sir Winston Churchill quando ele proferiu: “we shall never surrender”. O que me deixa mais curioso é que de algum modo esse sentimento anda meio discreto nos nossos tempos. 

Mas não desanime, caro leitor! Muitas pessoas sangraram por nós e aquele sentimento está adormecido em algum lugar. Quando ele começar a tocar as pessoas, se dissipará mais forte e mais rápido que uma pandemia. Se nossos irmãos não se submeteram a tirania, não somos nós que nos submeteremos. 

Aprendi com um grande filósofo brasileiro: “Idem nolle, idem Velle”.  Encontrar pessoas que querem as mesmas coisas que nós e rejeitam as mesmas coisas que nós talvez seja a forma mais fácil de encontrar esse sentimento perdido.

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As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times