Um advogado de direitos humanos se livra do feitiço do Partido Comunista

Teng Biao renunciou completamente ao Partido Comunista Chinês

04/08/2021 04:54 Atualizado: 04/08/2021 20:12

Por Teng Biao

Em 14 de março de 2016, no Palais des Nations da ONU em Genebra, eu participei de um fórum para comemorar o segundo aniversário da morte sob custódia do defensor dos direitos humanos Cao Shunli. Não pude deixar de expressar minha raiva diante da gangue criminosa do Partido Comunista Chinês.

No mesmo dia, recebi o seguinte e-mail: “Professor Teng: conforme ratificado pelo comitê do Partido Comunista da faculdade de direito, a seção do Partido da Universidade Chinesa de Ciência Política e Direito (CUPL) será em 16 de março de 2016, às 14h00, onde será realizada uma assembleia geral no campus na sala 211 para chegar a uma decisão sobre a questão da renúncia voluntária de Teng Biao como membro do Partido. Sua participaçāo é solicitada”.

A nota foi assinada pelo “Comitê do Partido da Universidade Chinesa de Ciência Política e Direito, Seção do Partido de Estudos Legais”.

Eu não participei da reunião, mas agora sinto a necessidade de falar umas verdades ao Partido Comunista.

As criaturas mais peculiares da Terra

Quase todas as crianças nascidas na chamada “Nova China” estão repletas de entusiasmo e adoração sem limites pelo Partido Comunista Chinês. Como a propaganda oficial afirma, em todas as emergências e questões de vida ou morte, são sempre os membros do Partido Comunista que se candidatam a ajudar.

Aqueles que salvam as crianças nos trilhos do trem, aqueles que vão silenciar os canhões inimigos durante o combate, aqueles que se afogam para salvaguardar os bens nacionais—mesmo que não sejam membros do Partido, quando estiverem à beira da morte será revelado que eles haviam escrito uma promessa de que desejavam ingressar no Partido. Ou, se tal promessa não puder ser feita, eles serão reconhecidos postumamente como membros do Partido Comunista.

Esse entusiasmo enlouquecido e desmiolado pelo Partido Comunista não é incutido em um ou dois dias. Este tem sido um processo que exige esforços assíduos, paixão e imaginação de incontáveis autores, engenheiros da alma, comissários políticos, fabulistas históricos, propagandistas visuais, músicos e pais que sofreram lavagem cerebral.

Os membros do Partido Comunista Chinês (PCC) estão entre as criaturas mais peculiares da Terra. Diz-se que compreendem a verdade do universo, as leis da história; eles possuem os ideais últimos da humanidade; e eles estão determinados a estabelecer o céu na terra.

Eles nunca procuram se beneficiar, mas sempre ajudar os outros. Eles não temem os deuses nem a retribuição cármica. Eles vão matar seus próprios familiares se a “justiça” exigir. Todos pensam com uma só mente, e cada membro do Partido é um santo incomparavelmente puro e inocente.

No momento em que um elemento ruim entrar furtivamente no Partido, ele será expulso—isso é o que garante a pureza e a natureza avançada do Partido Comunista. Cada vez que o Partido comete um erro, simplesmente acaba por ser a prova de que o Partido tem uma capacidade extraordinária de autocorreção e é uma prova de como o Partido é “grande, glorioso e correto”. E é por isso que sabemos que o Partido adora cometer erros.

Aderindo ao Partido

Eu mesmo sou um exemplo do sistema de educação do PCC (ou lavagem cerebral). Do ensino fundamental ao ensino médio, até quando me matriculei na Universidade de Pequim, sempre fui o aluno mais obediente. Nunca contradisse meus professores, nunca matei aula, sempre tirei boas notas. Meus ideais eram do Partido Vermelho, e eu tinha uma pilha de certificados e prêmios. Em outras palavras, eu estava quase arruinado. Nunca usei minha própria mente para pensar.

O processo de escapar desse estado de falta de cérebro foi árduo, complexo e sutil. Requeria uma compreensão da psicologia do totalitarismo, da genealogia da propaganda e da lavagem cerebral, da antropologia educacional, da epistemologia social e da estética política. O que mais me afetou pessoalmente foi a Universidade de Pequim, alguns professores, alguns amigos estudantes, alguns livros, alguns filmes underground e vários incidentes pelos quais passei.

No ensino fundamental e médio, apenas os alunos “mais destacados” puderam ingressar na Liga dos Jovens Pioneiros e da Juventude. Aqueles que estavam atrasados em seus pensamentos foram deixados de fora. Na universidade, a competição para entrar no Partido era acirrada e eu desisti. Durante a pós-graduação, a competição não era tão intensa e, na verdade, não havia muitos “elementos retardatários” que não tivessem aderido.

O advogado chinês de direitos humanos Teng Biao participa de um evento patrocinado pela Amnistia Internacional para protestar pela melhoria dos direitos humanos na China no dia 7 de dezembro de 2007, em Berlim, Alemanha (Sean Gallup/Getty Images)
O advogado chinês de direitos humanos Teng Biao participa de um evento patrocinado pela Amnistia Internacional para protestar pela melhoria dos direitos humanos na China no dia 7 de dezembro de 2007, em Berlim, Alemanha (Sean Gallup/Getty Images)

A Seção do Partido pediu que eu escrevesse uma carta de candidatura, cujo significado compreendi rapidamente: primeiro, eles queriam que você expressasse sua confiança na organização. Em segundo lugar, eles pensaram: Você é um talento da Universidade de Pequim, então se você não se filiar ao Partido e servir ao Partido, você tem algum problema com o Partido? A quem você está servindo?

Eu estava meio disposto e meio em dúvida. Naquele momento, eu estava no estágio de meu rápido despertar para o mundo, e já odiava e me sentia alienado pela forma organizacional, estilo de discurso e dogma do Partido. Por outro lado, nunca conheci ninguém que se filiasse ao Partido porque realmente acreditava nele.

Em dois anos, eu estaria procurando trabalho, então entrar não tinha nenhuma desvantagem, nem precisava encarar isso como um grande fardo psicológico. E na época eu também nutria um pensamento um tanto ingênuo: os intelectuais da década de 1980 costumavam dizer que a maneira mais fácil de derrubar uma fortaleza é por dentro, então, até certo ponto, pensei que iria entrar no Partido com a nobre missão de se opor ao Partido.

Então, desenterrei um modelo de inscrição do Partido, copiei-o e fui admitido no Partido. Mas eu tinha certeza de que não faria o juramento de admissão. Havia 40 ou 50 novos membros do Partido que deveriam se engajar em uma cerimônia coletiva de juramento. O dirigente disse que a estação de TV também viria, e todos iriam ao gramado fazer seu juramento durante a gravação. Eu odiei a ideia e me afastei.

Reforma versus alienação

Quero responder àquele sentimento ingênuo que tive, de que entrar para o Partido oferece a oportunidade de reformar o Partido, ou mesmo de se opor a ele, por dentro. Mas, na verdade, os crimes do Partido são numerosos demais, ele não tem vontade de mudar e até hoje está avançando no caminho da perdição.

Eu também percebi que os mecanismos de sobrevivência deste partido são adaptativos; ele tem sua própria essência, e aqueles que não concordam com ele essencialmente não têm nenhuma chance dentro do Partido. Qualquer um que possa alcançar um alto escalão no Partido vem de uma família importante do Partido, ou sabe como mexer nos pauzinhos e manipular as pessoas, ou é corrupto, ou mente, ou implora, ou mata.

People marching for the Global Service Center for Quitting the CCP participate in the Chinese New Year parade in Flushing, New York, on Feb. 8, 2014. (Edward Dai/Epoch Times)

Pessoas marchando pelo Global Service Center for Quitting the CCP (Centro de Serviço Global Para Renuniar ao PCC) participam do desfile do Ano Novo Chinês em Flushing, Nova York, em 8 de fevereiro de 2014 (Edward Dai/Epoch Times)

Portanto, não há apenas uma chance extremamente pequena de que uma pessoa sincera e honesta alcance um alto nível neste sistema, mas no processo, para usar um termo marxista, ela será “alienada”. No momento em que eles se tornarem um chefe de gabinete ou um governador provincial, sua natureza humana terá sido corroída quase inteiramente pela natureza do Partido.

Se você quer ser um elemento do sistema, então tudo o que é seu terá vindo da ditadura. Você terá descoberto que é impossível não se envolver no mal no caminho para cima; você não poderá escapar de ter salvaguardado o sistema Partido-Estado. E então, mesmo que você aguente tudo e se torne um chefe de repartição ou um governador de província, você ainda não tem capacidade ou oportunidade de mudar o sistema.

Deixando o Partido

Meu desejo de deixar o Partido Comunista surgiu não muito depois de eu ingressar nele em 1997. Qualquer pessoa com olhos para ver teria notado os seguintes fenômenos na sociedade: demolições forçadas, tortura, prisões no escuro, corrupção, erros judiciários, conluio entre oficiais e crime organizado, eleições controladas, massacre intencional de inocentes, abortos forçados, perseguição religiosa, inquisições literárias, policiais urbanos violentos (“chengguan”), polícia secreta, censura na Internet, edifícios com resíduos de tofu, leite envenenado, vacinas contaminadas…

Quanto mais eu entendia sobre os inúmeros crimes dessa gangue de bandidos, mais forte era minha determinação em derrubar o governo. Certa vez, enquanto conversava e bebia com Liao Yiwu, eu disse que o motivo pelo qual odiava o Partido era mais estético do que político.

Tudo o que o Partido faz é tão feio—desde seus relatórios do Politburo até o comportamento dos funcionários do Partido em torno da mesa do banquete; de sua dialética materialista à bandeira do martelo e da foice; do tom do News Simulcast à página editorial do Diário do Povo; do Festival de Gala da Primavera às canções e danças vermelhas nas praças públicas.

É tudo absolutamente ridículo—fedendo a sangue, entorpecendo o espírito e agindo de forma rude. Desde o início, recusei-me a participar em quase todos os eventos de mobilização do Partido. Embora meu corpo estivesse na cova dos bandidos, meu espírito estava há muito tempo em rebelião.

Uma foto de 5 de março de 2008, mostrando policiais urbanos chineses, conhecidos como “chengguan”, em ação contra civis (Sina Weibo)
Uma foto de 5 de março de 2008, mostrando policiais urbanos chineses, conhecidos como “chengguan”, em ação contra civis (Sina Weibo)

Em 2003, quando me tornei professor na Universidade Chinesa de Ciência Política e Direito (CUPL), pensei que minha oportunidade finalmente havia chegado. A Universidade de Pequim informou-me que eu precisava enviar um pedido de transferência de minha filiação partidária. Recusei-me a fazê-lo e parei de pagar as taxas do partido.

Achei que isso seria suficiente para cortar os laços com o partido. Nunca me ocorreu que, um ano depois, a seção do Partido na CUPL iria me procurar pedindo contribuições para o Partido. Perguntei-lhes: já não saí da organização do Partido? A mulher disse: Como pode ser? A Organização continuou sua filiação, então venha agora e pague suas dívidas do Partido.

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Um edifício residencial desabado na cidade de Fenghua, província de Zhejiang, em 4 de abril de 2014 (ChinaFotoPress via Getty Images)

Fiquei chocado. Eu disse a ela que não pagaria. A jovem não entendeu o que eu estava falando. Expliquei novamente: “Diga a seus superiores que não estou pagando as taxas do Partido. Faz anos que não participo de eventos de ‘vida organizacional’ do Partido. É assim que eu quero sair do Partido”. Mas não funcionou. Eles começaram a deduzir as taxas do Partido do meu salário.

‘Você é o Membro do Partido Comunista’

No início de 2003, estive envolvido com a legislação de direitos humanos em tempo integral: houve o incidente de Sun Zhigang, fundando a Open Constitution Initiative, os casos Chen Guangcheng, Gao Zhisheng, Hu Jia, defendendo o Falun Gong, processando trabalhadores de olarias de trabalho escravo infantil, leite em pó envenenado, participando das eleições da Ordem dos Advogados de Pequim, Carta 08, o incidente do Tibet 314 em 2008, a comemoração do massacre de 4 de junho com intelectuais de Pequim em 2009, o caso de Três internautas Fujian em 2010, a Revolução de Jasmim em 2011, o Movimento de Novos Cidadãos em 2012, um discurso em Hong Kong em 2014 e muito mais.

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Mais de 1.500 praticantes do Falun Gong de mais de 30 países realizam uma vigília à luz de velas em frente ao Consulado Chinês em San Francisco em 22 de outubro de 2016, para aqueles que morreram durante a perseguição na China. Teng Biao defendeu os praticantes do Falun Gong que foram presos na China (Benjamin Chasteen/Epoch Times)

Eu adorava me envolver em qualquer coisa que irritasse o Partido. O Partido Comunista também cumpriu sua parte da barganha: fui bloqueado na mídia, tive minhas aulas suspensas, colocado em prisão domiciliar, tive minha licença de direito cancelada, tive meu passaporte confiscado, fui expulso da CUPL, sequestrado, desaparecido, torturado e vi meus familiares serem tratados como culpados por causa de minhas ações. Minha viagem no caminho para ser um “reacionário” anti-Partido não aconteceu em um ou dois dias.

O e-mail solicitando minha participação para discutir minha renúncia voluntária do Partido que recebi não muito tempo atrás foi um lembrete: uma vez eu tive um relacionamento indecente com aquele Partido.

Uma foto datada de 28 de março de 2005 mostra o ativista cego Chen Guangcheng (D) com sua esposa e filho Chen Kerui fora de casa na vila de Dondshigu, província de Shandong no nordeste da China. Teng Biao ajudou a servir como advogado de Chen (STR/AFP/Imagens Getty)
Uma foto datada de 28 de março de 2005 mostra o ativista cego Chen Guangcheng (D) com sua esposa e filho Chen Kerui fora de casa na vila de Dondshigu, província de Shandong no nordeste da China. Teng Biao ajudou a servir como advogado de Chen (STR/AFP/Imagens Getty)

Assim entendo que relação adequada com o Partido e os membros do Partido é: os membros do Partido têm direito de voto nas eleições diretas para secretários e secretários-gerais em todos os níveis; eles devem saber como as taxas do partido estão sendo gastas, ou se as taxas foram desviadas; o objetivo de um partido é tomar o poder político, mas isso deve ser conduzido por meio de eleições competitivas com outros partidos políticos, não por meio do aprisionamento de membros de partidos políticos concorrentes—essa forma de vencer é muito descarada.

Agora eu me pergunto se já houve um membro do PCC que teve um relacionamento normal com este, o maior partido político do mundo.

O e-mail do PCC para mim também veio em um momento em que eles haviam acabado de realizar a prisão em massa de advogados em 9 de julho de 2015.

Embora não fosse nem um pouco engraçado, isso me fez lembrar de uma piada: um velho que estava no ônibus viu uma mulher grávida de pé e ofereceu-lhe seu assento. Ela agradeceu profusamente e perguntou: “Você é membro do Partido Comunista, certo?!” O velho ficou confuso e respondeu: “Quem é membro do Partido? Você é membro do Partido! Toda a sua família é membro do Partido!”

Estou muito interessado em saber como os verdadeiros membros do Partido Comunista interpretam essa piada. É assim que eu entendo: o Partido não mudou, mas as atitudes das pessoas em relação a ele mudaram. Eles não estão mais interessados. A gangue que provocou tantas revoluções usando o povo agora está sendo derrubada pelo povo.

No passado, as pessoas se filiaram ao Partido por causa de sua fé na ideologia comunista. Mesmo que tenha levado à loucura ideológica e à barbárie, ainda manteve alguma forma de coesão. Mas agora, as pessoas se juntam ao Partido por poder, riqueza, sexo ou um emprego melhor—até mesmo a coesão que antes o mantinha unido não existe mais.

Gao Zhisheng durante uma entrevista em seu escritório em Pequim nesta foto de arquivo (Verna Yu/AFP/Getty Images)
Gao Zhisheng durante uma entrevista em seu escritório em Pequim nesta foto de arquivo (Verna Yu/AFP/Getty Images)

A Internet e as forças do mercado estão aumentando o conhecimento e a compreensão geral do público chinês diariamente, bem como aumentando os conflitos entre as autoridades e o público. Além disso, estão aumentando os processos globais da democracia e da liberdade. Todos esses estão exercendo força centrífuga no PCC.

Este ensaio serve como meu próprio levantamento oficial do feitiço do Partido e minha completa renúncia à organização do Partido Comunista. Eu já fui um membro dessa gangue do mal, e uma vez de forma proativa, e depois passivamente, paguei as taxas do partido para apoiá-los fazendo o mal. Estas são as manchas que carrego e que vou compensar de agora em diante.

Claro, estou colocando a questão nos termos mais rígidos—há anos já tenho feito muitas coisas para me opor ao Partido. Quando o jornalista de Hong Kong, Jiang Xun, foi acusado de ser membro do Partido Comunista, Jiang o processou e recebeu 850.000 yuans (US $ 128.000) de indenização.

Se alguém me chamar de membro do Partido Comunista agora, mesmo que eu não vá processá-lo, farei uma réplica áspera: “Você é membro do Partido Comunista—e toda a sua família é membro do Partido Comunista!”

Residente nos Estados Unidos, Teng Biao foi recentemente bolsista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton. Por seu trabalho como advogado e ativista de direitos humanos na China, ele recebeu os seguintes prêmios: Defensor da Liberdade Religiosa e do Estado de Direito da China Aid (2012); o Prémio da China Democracy Education Foundation para activista notável pela democracia (com Jiang Tianyong, 2011); Concessão Hellman / Hammett da Human Rights Watch (2010); National Endowment for Democracy’s Democracy Award (with several Chinese activists, 2008); and France’s Human Rights Prize (with Mo Shaping and Li Jingsong, 2007).

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