Arma preferida da Rússia: guerra de informação

Por Gary Feuerberg
01/07/2023 11:46 Atualizado: 01/07/2023 11:46

Matéria publicada em 14 de dezembro de 2014 e recuperada na presente data.

Com sua anexação da Crimeia, agressão no Leste da Ucrânia e ameaças militares e econômicas aos países da OTAN, o Kremlin retomou uma nova espécie de Guerra Fria. Independentemente do que Vladimir Putin possa dizer, seus motivos não são benignos. E o Ocidente tem reagido com surpresa, confusão, paralisia e, principalmente, inércia.

Para entender o modus operandi do Kremlin e enfrentá-lo, o Instituto da Rússia Moderna (IMR), um grupo de reflexão sem fins lucrativos sediado em Nova Iorque, patrocinou um relatório especial. Os autores Peter Pomerantsev e Michael Weiss, descreveram os métodos que o Kremlin usa para confundir seus adversários e explorar as fraquezas do Ocidente.

“A ameaça da irrealidade: como o Kremlin usa informação, cultura e dinheiro como arma” descreve a Rússia como um Estado mafioso, cujos líderes não têm escrúpulos em espalhar mentiras por meio da mídia, acompanhadas, se necessário, por ameaças militares acobertadas e mobilização de forças.

Putin e seu chanceler Sergei Lavrov podem falar em tom diplomático, enquanto a Rússia está de fato envolvida numa guerra com o Ocidente que deixa este confuso. As democracias do mundo não descobriram como lidar com Putin e os desafios que ele representa para a liberdade, a democracia e a segurança das nações.

“Essencialmente, eles usam a informação como arma, e eu reconheci como jornalista que eu não tinha qualquer ferramenta analítica com a qual analisar isso”, disse Pomerantsev. Ele falou no National Endowment for Democracy (NED) em 13 de novembro.

“Por volta de 2004, os teóricos do Kremlin e membros da Duma falavam sobre a criação no estrangeiro de organizações não governamentais pró-Rússia para subverter outros países”, disse ele. Em sua introdução ao relatório, Pomerantsev disse que a Igreja Ortodoxa Russa seria usada para o mesmo fim.

Isso é fazer guerra com uso militar mínimo. Pomerantsev e Weiss dizem que no conflito da Ucrânia, a Rússia usou vigilantes locais, mas quando isso se mostrou insuficiente, ela recorreu a incursões de pequena escala que “mudam os fatos no terreno, mas aparentemente não o bastante para justificar uma declaração de guerra total”.

Enigma de Putin

“Um dos aspectos mais estranhos da geopolítica do século 21 tem sido a negação do Ocidente que ele tem um adversário ou inimigo em Vladimir Putin”, afirmou Weiss, em sua introdução ao relatório de 44 páginas. Por 14 anos, os Estados Unidos e a Europa acreditavam que tinham “um parceiro honesto ou aliado no Kremlin”, não importando o quão mal ele se comportasse, disse Weiss. A anexação da Crimeia e sua invasão do Leste da Ucrânia mudaram tudo isso.

Michael Weiss é editor-chefe do The Interpreter, um jornal diário online que visa disponibilizar em língua inglesa a mídia e os blogs em russo. O The Interpreter é um projeto do IMR.

“[Putin] é um forte adepto de aproveitar-se da abertura e transparência do sistema ocidental, particularmente dos meios de comunicação ocidentais, para essencialmente torná-los cúmplices em sua guerra de informação”, disse Weiss.

Peter Pomerantsev, autor britânico e produtor de documentário, coautorou um relatório especial intitulado "A ameaça da irrealidade: como o Kremlin usa informação, cultura e dinheiro como arma". Ele apresentou seu relatório no National Endowment for Democracy em 13 de novembro (Gary Feuerberg/Epoch Times)
Peter Pomerantsev, autor britânico e produtor de documentário, coautorou um relatório especial intitulado “A ameaça da irrealidade: como o Kremlin usa informação, cultura e dinheiro como arma”. Ele apresentou seu relatório no National Endowment for Democracy em 13 de novembro (Gary Feuerberg/Epoch Times)

Desinformação sobre a Ucrânia

Pomerantsev e Weiss dizem que a arma de escolha é a “desinformação”, que vai muito além da mera propaganda. Por exemplo, a televisão em língua russa na Rússia e no Leste da Ucrânia criou a realidade de que “‘fascistas tomaram o poder em Kiev, que russos étnicos no Leste da Ucrânia estão em perigo mortal e que a CIA está travando uma guerra contra Moscou”.

Essas almas corajosas que derrubaram o corrupto presidente ucraniano Viktor Yanukovych e perderam cerca de 100 vidas ao fazê-lo foram retratadas como fascistas. Os autores citam Ben Judah: “O Maidan nunca conseguiu repelir a impressão [pintada pela mídia russa] de que era um movimento de extrema direita.”

Jornalistas ocidentais procuravam nazistas entre os revolucionários, e assim a narrativa do Kremlin conseguiu danificar a imagem do Maidan para as pessoas no Ocidente. [Maidan, que significa ‘praça’ em ucraniano, foi o nome dado ao movimento popular ucraniano que queria que a Ucrânia aderisse à União Europeia e que repelia a corrupção no governo e o alinhamento deste com Moscou, o que resultou na queda de Yanukovych do poder.]

Outro exemplo de desinformação foi quando Putin usou o nome “Novorossiya” para se referir a uma parte do Sudeste da Ucrânia, que ele pode anexar algum dia. O nome foi retirado da história czarista. Os autores dizem que as pessoas da região não se identificam como vivendo em Novorossiya. No entanto, “Novorossiya está sendo imaginada como existindo de fato.” A imprensa russa mostrar seu mapa, sua história está sendo escrita nos livros escolares russos, ela tem uma bandeira, uma agência de notícias e vários feeds de Twitter.

Os tecnólogos da desinformação russos produziram alguns contos imaginativos sobre a derrubada do voo MH17 da Malaysian Airlines, quando 298 pessoas morreram, supostamente derrubado por um míssil Buk terra-ar disparado por separatistas pró-Rússia e fornecido pelos militares russos. A emissora estatal russa RT espalhou teorias da conspiração, como o avião ter sido abatido por forças ucranianas que visavam à aeronave pessoal de Putin.

O exército de internautas-trolls do Kremlin foi acionado contra a cobertura do The Guardian sobre a tragédia do MH17, inundando-o com 40 mil comentários por dia, tornando qualquer tipo de discussão significativa impossível e minando a comunicação normal.

Tecnocratas da mídia russa sabem que os meios de comunicação ocidentais, como a BBC ou o New York Times, são obrigados a apresentar ambos os lados para manter o equilíbrio na reportagem. Portanto, não importa o quão absurdo ou ultrajante seja a mentira, quando o Ministério das Relações Exteriores da Rússia emite uma reivindicação sobre quem derrubou o MH17, a mídia ocidental “tem o dever de repetir ambos os lados da história”, disse Weiss.

Russia Today

A RT costumava ser chamada de ‘Russia Today’, mas o nome foi mudado para tornar menos evidente para as pessoas que vivem fora da Federação Russa que ela é financiada pelo Kremlin ou mesmo que está associada à Rússia, disseram os autores do relatório. A RT não é guiada pela “verdade objetiva”, que seus gestores dizem não existir. Uma opinião é igual à outra, segundo eles.

A RT é muito popular online por causa de seus temas anti-EUA e anti-Ocidente, e sua abundância de teorias da conspiração.

“Recentemente, a edição espanhola da RT apresentou um editorial que considerava se os EUA estavam por trás do surto de Ebola – um eco moderno da dezinformatsiya soviética sobre a CIA estar por trás do vírus da AIDS”, afirma o editorial. O relato foi traduzido para o inglês, disse Weiss.

Em relação à guerra civil na Síria, a RT produziu programas sobre as forças rebeldes terem supostamente realizado um massacre em Adra. Mesmo depois de ter se tornado evidente que não houve massacre em Adra, os comentaristas da RT continuaram a discutir a confabulação como uma realidade, afirma o relatório de Pomerantsev-Weiss.

“Mesmo que as pessoas não acreditem, eles ainda continuam falando a respeito”, disse Weiss. A desinformação russa não é para convencer os outros de que sua versão é verdadeira; “é para distrai-los, confundi-los – ‘olhe para lá, mas não olhe para cá’”.

Recomendações

O relatório recomenda uma maneira de combater o “uso da informação como arma”. As organizações de mídia legítimas devem adotar a prática de, quando há um engano consciente ou proposital, não usar a fonte em reportagens. A mídia deve resistir à prática de buscar apresentar o “equilíbrio” neste caso.

Uma grande razão por que editoriais mais investigativos não são feitos sobre Putin e a “corrupção quase institucionalizada” do Estado russo é o medo de processos de difamação que criminosos russos podem iniciar, especialmente no Reino Unido, onde as leis são mais permissivas para isso. Poucas publicações têm os meios para expor figuras conectadas ao Kremlin. Os autores recomendam a criação de um fundo para os jornalistas que enfrentem processos judiciais por difamação.

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