‘Se você viver ou morrer, ninguém se importa’: em meio à crise do COVID chineses são deixados desamparados

Sistema de saúde e crematórios sobrecarregados; número de mortos aumenta entre as elites do PCCh

Por Eva Fu, com contribuição de Luo Ya, Gu Xiaohua e Yi Ru
28/12/2022 22:01 Atualizado: 28/12/2022 22:02

No necrotério de um importante hospital na quinta cidade mais populosa de Guangzhou, cadáveres foram empilhados no chão desde que as câmaras refrigeradas atingiram sua capacidade máxima. Em outras regiões, longas filas de carros com corpos esperando para serem cremados se formaram do lado de fora de vários necrotérios no município de Chongqing.

No norte de Pequim, capital da China, havia tantos cadáveres que os frigoríficos de empresas estatais de alimentos foram transformados em instalações temporárias para o armazenamento de cadáveres.

Cenas sombrias da China nos últimos dias, compartilhadas por testemunhas que falaram com o Epoch Times, lembram o desespero de quase três anos atrás, quando o COVID-19 estourou no país. E enquanto o resto do mundo aprendia a conviver com o vírus, o regime manteve firme sua campanha no estilo comunista conhecida como “zero-COVID”. A campanha visava erradicar a doença com uma combinação de medidas como os lockdowns em massa, vigilância invasiva e testes obrigatórios, isso apesar do pesado custo econômico, humanitário e psicológico.

Então, após os massivos protestos nacionais em novembro, o regime abruptamente voltou atrás, relaxando a política de COVID-0 zero no início de dezembro. A reversão foi feita sem aviso prévio ou anúncio de medidas para que fosse realizado um recuo gradual da política.

Desde então, o vírus se espalhou pela população, que estava despreparada para esse surto repentino e que após quase três anos de estritas medidas sanitárias não possui uma imunidade natural para enfrentar o surto.

O país está agora em crise com seus sistemas de saúde e serviços de linha de frente sobrecarregados. Instalações judiciárias e de aplicação da lei foram fechadas devido a infecções generalizadas. As prateleiras das farmácias foram esvaziadas. Os hospitais, que estão sobrecarregados e com falta de pessoal, tentaram contratar trabalhadores aposentados em seus esforços para acompanhar o fluxo de pacientes com COVID.

A devastação continua a acontecer, apesar de Pequim ter garantido em 27 de dezembro de que está “travando uma batalha para a qual se preparou”.

“O Partido Comunista Chinês é só sobre política”, disse ao Epoch Times o historiador chinês Li Yuanhua, que mora na Austrália. “Ele nunca se preocupa com o bem-estar das pessoas.”

O que o regime está fazendo agora, disse ele, é alcançar rapidamente a imunidade coletiva por meio de infecções em massa, para que o país possa reviver sua economia que agora está vacilante.

Caos

Na funerária Zengcheng, na cidade portuária de Guangzhou, no sul, os funcionários recebem corpos sem parar, 24 horas por dia.

“Temos 90 hoje”, disse um funcionário da funerária ao Epoch Times em 22 de dezembro sob condição de anonimato. Ele acrescentou que outros quatro necrotérios na cidade também estão lotados e que a instalação ficou sem veículos para o transporte de cadáveres.

“Não podemos levar mais neste momento”, disse um funcionário de outro crematório ao Epoch Times.  Segundo o funcionário, de queimadores a vans e depósitos, tudo estava funcionando na capacidade máxima… e os corpos encheram mais de 200 freezers nos necrotérios.

O relato dos funcionários bate com um padrão que vem se repetindo em todo o país.

Em Chongqing na casa funerária estatal, Shiqiaopu Funeral House, onde vídeos capturaram longas filas do lado de fora da instalação, por conta do aumento da carga de trabalho, os serviços de luto tiveram que ser cancelados. Uma moradora de sobrenome Li, que vive próxima a funerária, disse ao Epoch Times que a instalação está contratando funcionários temporários por um valor de até 500 yuans (US$ 72) por dia, cerca de três vezes o que ganha um funcionário de escritório.

Pacientes com COVID-19 descansam no segundo hospital afiliado da Chongqing Medical University, na cidade de Chongqing, no sudoeste da China, em 23 de dezembro de 2022. (Noel Celis/AFP via Getty Images)

Pacientes com COVID-19 descansam no segundo hospital afiliado da Chongqing Medical University, na cidade de Chongqing, no sudoeste da China, em 23 de dezembro de 2022. (Noel Celis/AFP via Getty Images)“Você ouve tosse em todos os lugares”, disse Li em uma entrevista. Ela disse ainda que por causa do grande número de motoristas de ônibus que adoecem, os ônibus que normalmente chegam a cada cinco minutos agora podem demorar uma hora para chegar.

Um aviso que foi fotografado e compartilhado nas redes sociais chinesas, alerta que um crematório no condado de Yuanshi, no norte da China, estava tão sobrecarregado que três de seus incineradores estavam com problemas de funcionamento.

No Segundo Hospital Afiliado da Guangzhou Medical University normalmente morrem de 40 a 50 pacientes por mês, mas agora somente em 23 de dezembro houve 22 mortes, isso de acordo com uma funcionária, de sobrenome Liang, que nesse mesmo dia concedeu uma entrevista por telefone ao Epoch Times.

“É assustador”, disse ela ao Epoch Times. Vários funcionários que lidam com os corpos ficaram doentes com o vírus. Liang disse ainda que frequentemente tem contato com esses funcionários, e em 23 de dezembro começou a sentir frio.

“Os médicos ainda têm que trabalhar mesmo que testem positivo, a menos que estejam gravemente doentes”, disse ela. “Casos positivos estão por toda parte. Pelo menos em nosso hospital, mais de 70% deram positivos para COVID até agora.”

Em 25 de dezembro, um hospital na província de Zhejiang, no leste da China,  recebeu pelo segundo dia mais de 1.000 pacientes com febre. Por conta da grande pressão, o diretor do hospital escreveu uma longa carta para seus funcionários pedindo que eles se preparassem para a carga de trabalho ainda maior que viria.  Até então, 1.400 funcionários do hospital haviam sido infectados, de acordo com relatos da mídia chinesa.

Pessoas esperam por atendimento médico na área da Fever Clinic no Hospital Tongren, no distrito de Changning, em Xangai, em 23 de dezembro de 2022. (Hector Retamal/AFP via Getty Images)
Pessoas esperam por atendimento médico na área da Fever Clinic no Hospital Tongren, no distrito de Changning, em Xangai, em 23 de dezembro de 2022. (Hector Retamal/AFP via Getty Images)

Casos de vírus encobertos

Assim como fizeram no início da Pandemia, as autoridades do país dificultaram para que se pudesse avaliar o real número de infecções no país. De acordo com as contas feitas pelo regime, apenas oito pessoas morreram do vírus desde a flexibilização das regras sanitárias ligadas a COVID no início de dezembro. Esse número se baseia na recente definição estipulada pelo regime de quais casos podem ser considerados mortes por COVID, que exclui todos, exceto os casos em que a pessoa morreu de insuficiência respiratória e pneumonia diretamente associada a uma infecção por COVID. Um método de cálculo nunca visto antes em outras partes do mundo.

Os números divulgados pelo regime divergem drasticamente de um documento vazado de uma recente reunião de alto nível entre autoridades de saúde. Segundo o documento, 248 milhões de pessoas provavelmente contraíram o vírus nos primeiros 20 dias de dezembro.

Corroborando ainda mais o memorando, Yu Xinle, vice-diretor da Comissão de Saúde de Zhejiang, disse em 25 de dezembro que os casos diários na província ultrapassaram 1 milhão, um número que ele estima que vá dobrar no dia de Ano Novo.

O principal órgão de saúde do país parou de publicar contagens diárias de vírus desde o vazamento das atas da reunião.

 Pacientes esperam para ver os médicos em uma clínica de febre do Hospital Popular de Dongguan, na província de Guangdong, China, em 20 de dezembro de 2022. (VCG/VCG via Getty Images)
Pacientes esperam para ver os médicos em uma clínica de febre do Hospital Popular de Dongguan, na província de Guangdong, China, em 20 de dezembro de 2022. (VCG/VCG via Getty Images)

Nos primeiros pronunciamentos do líder chinês, Xi Jinping, desde a flexibilização da campanha de COVID-zero, não havia menção a esses números. Em 26 de dezembro, ele disse que havia uma “nova situação e uma nova tarefa” para que o surto pudesse ser contido, que segundo ele, exige mais “campanhas patrióticas de saúde com alvos mais especificos”.

“De repente, três anos após o surto eles abriram as comportas”, disse um morador de Wuhan, a cidade chinesa onde a pandemia surgiu em 2019, à NTD, a mídia irmã do Epoch Times.

“Se você vive ou morre, ninguém se importa. Mas as pessoas comuns sabem muito bem que muitas pessoas morreram.”

Aumento de mortes na elite do PCCh

O último surto de COVID também registrou um aumento de mortes entre funcionários, especialistas e pessoas diretamente alinhadas com o Partido Comunista Chinês (PCCh).

Nas últimas semanas, mídia estatal divulgou diversos obituários, inclusive de Zhou Zhichun, ex-vice-editor-chefe e vice-presidente do jornal estatal China Youth Daily; o político Zhu Zhihong, que já presidiu o Comitê Provincial de Jiangxi da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês; Chu Lanlan, atriz da Ópera de Pequim, com 39 anos; O economista marxista Hu Jun; o ex-vice-diretor da Comissão Nacional de Esportes, Liu Ji; o designer dos mascotes das Olimpíadas de Pequim 2008, Wu Guanying; bem como dezenas de professores ilustres de duas das mais prestigiadas instituições acadêmicas da China, a Universidade de Pequim e a Universidade de Tsinghua.

Quase nenhum dos obituários listou a causa da morte.

Tang Weiguo, ex-presidente do conselho da Shanghai Kehua Bio-Engineering Co. maior fabricante da China de kits médico para diagnóstico e fornecedora de kits para testes da COVID, morreu em 25 de dezembro aos 66 anos, de doença subjacente de COVID-19.

Um profissional de saúde espera que as pessoas coletem amostras de swab para testar o coronavírus COVID-19 em Xangai em 19 de dezembro de 2022. (Hector Retamal/AFP via Getty Images)
Um profissional de saúde espera que as pessoas coletem amostras de swab para testar o coronavírus COVID-19 em Xangai em 19 de dezembro de 2022. (Hector Retamal/AFP via Getty Images)

Considerando que muitas dessas pessoas da elite PCC que foram afetadas, são os principais agentes na estrutura de poder do regime e se comprometeram a ser propagandistas e manter a boa imagem do PCCh, Heng He, analista de assuntos da China, sugere que a tendência de mortes possa estar ligada a um fator metafísico.

“Talvez você pense que não é grande coisa, mas o PCCh é um sindicato do crime”, disse Epoch Times, acrescentando que o recente aumento nos casos deve fazer as pessoas reconsiderarem seus laços com o regime. “Amarrar a própria vida com o destino do Partido não trará nenhum bem.”

Desde a antiguidade ideia de que “você colhe o que planta”, disse ele, está profundamente enraizada no pensamento chinês.

“Uma crença popular na China é que boas ações trarão bons frutos e vice-versa, e que você pode ver a retribuição durante a vida de alguém”, disse ele.

“De certa forma, pode-se considerar isso uma retribuição cármica.”

‘Lutando com o Céu’

O conceito de “luta”, usado repetidamente na retórica do PCCh para descrever suas campanhas anti-COVID, está desde o início enraizado na ideologia comunista chinesa , observam especialistas.

“Lutar com o céu é uma alegria sem fim, lutar com a terra é uma alegria sem fim e lutar com a humanidade é uma alegria sem fim”, afirmou certa vez Mao Zedong, membro fundador do Partido e o primeiro líder do regime.

Sean Lin, ex-diretor de laboratório do setor de doenças virais do Walter Reed Army Institute of Research, vê a promessa do regime de eliminar o vírus como uma demonstração de seu extremismo.

Enquanto as doenças desaparecem, a história mostra que os vírus nunca desaparecem de verdade. Em comparação com outros países que reabriram após considerarem que a variante Omicron era de baixo risco à saúde pública, as novas medidas contra a COVID na China são na verdade decisões políticas, disse Lin.

Peng Dingding, um comentarista político em Pequim, concorda com a visão de Lin.

“Durante todo o processo de prevenção de surtos, o governo chinês não fez nada de forma correta”, disse ele ao Epoch Times. “Mesmo depois de três anos de pandemia e da construção de tantos hospitais improvisados, ainda não há capacidade suficiente para atender os pacientes. Eu realmente não consigo entender o que este país está fazendo.”

É uma demonstração da “arrogância e ignorância da mais alta liderança chinesa”, acrescentou.

“Na luta contra o céu, eles falharam. Na luta contra a terra, eles falharam. Tudo o que eles sabem é lutar com as pessoas”, disse Peng.

“Ele sempre se considera todo-poderoso”, acrescentou, referindo-se a Xi.

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