Funerais tradicionais chineses: um ritual profundo trocado pela cremação

Por Epoch Times
16/01/2023 09:15 Atualizado: 17/01/2023 12:02

Nas grandes cidades da China os mortos são cremados, porém, nas zonas rurais, onde prevalecem os valores conservadores, os enterros predominam como a escolha preferida.

Intrigou-me a recente história de um homem chinês de 92 anos de idade que fugiu da casa de seus netos e caminhou até sua vila natal por medo de ser cremado depois de morto, ao invés de ser sepultado de maneira apropriada. O que o ancião estava fazendo? A curiosidade me levou a investigar os costumes funerais chineses e a cremação.

Isto foi o que encontrei, e tendo aprendido muito, senti empatia pela decisão do velho homem chinês.

Sepultar os mortos sempre foi uma questão séria na sociedade chinesa. Acredita-se que os arranjos fúnebres inapropriados trazem má sorte para a família do falecido.

Tradicionalmente, os rituais funerários chineses se desenvolvem segundo a idade do falecido, as causas de sua morte, seu nível social, e seu estado civil.

Segundo o costume chinês, uma pessoa mais velha não deve mostrar respeito por alguém mais jovem. Por isto, se o morto é um jovem solteiro, seu corpo não pode ser levado ao lar, mas deve ser deixado na casa funerária. Seus pais não podem fazer preces para o filho: sendo solteiro tampouco tem filhos que façam esses rituais para ele.

Se um bebê ou uma criança morre, não são necessários rituais fúnebres, já que não se pode mostrar respeito por alguém mais jovem. Dessa forma a criança é sepultada em silêncio.

Os preparativos para o funeral começam antes de acontecer a morte. Quando morre alguém na família, todas as estátuas dos deuses na casa são cobertas com um papel vermelho e retiram-se os espelhos do lugar. Acredita-se que se alguém vê o reflexo do caixão em um espelho, em um breve tempo haverá uma morte na própria família.

Uma tela branca é colocada sobre a porta da casa e coloca-se um gongo à esquerda da entrada se o falecido for homem, e à direita se for mulher.

Antes de colocá-lo no caixão, se limpa o cadáver com uma toalha molhada, passa-se talco nele e veste-se com sua melhor roupa. Veste-se o corpo completamente, inclusive os sapatos, e faz-se a maquiagem se for mulher, porém nunca o vestem com roupas vermelhas (isso faria que ele se transformasse num fantasma). Em geral, se usam as cores preta, marrom ou azul.

Antes de colocar o cadáver no caixão, cobre-se sua face com um pano amarelo e o corpo com um pano azul.

O velório

Coloca-se o caixão dentro de casa se a pessoa morreu dentro de casa; se morreu fora de casa coloca-se no jardim. O caixão é posto sobre suportes a uns 30 cm de distância do solo, e a cabeça do caixão põe-se de frente para a parte interior da casa.

As coroas, presentes e retratos ou fotos do falecido colocam-se na cabeceira do caixão.

O caixão não é fechado durante o velório. Põe-se comida em frente ao caixão como oferta ao falecido. O pente do falecido é dividido em dois: uma metade se coloca no caixão e a outra fica com a família.

Durante o velório, a família não usa joias ou vestidos vermelhos; vermelho é a cor da alegria. Tradicionalmente, os netos do morto não cortavam o cabelo por 49 dias da data do enterro, mas agora, geralmente, só as velhas gerações seguem este costume.

Como sinal de respeito e lealdade ao falecido é costume que os familiares consanguíneos e as noras chorem. Os lamentos e prantos são particularmente fortes se o falecido tiver deixado uma grande fortuna.

No velório, os familiares do falecido se reúnem ao redor do caixão e se colocam de acordo com a sua posição na família. Vestem-se com roupas especiais: as crianças e noras se vestem de preto (o preto simboliza que são os mais angustiados), os netos de azul e os bisnetos de azul claro.

Os genros se ventem com cores mais brilhantes como o branco, porque são considerados de fora.

As crianças e as noras usam um véu sobre a cabeça. O filho maior se senta do lado esquerdo e o cônjuge do falecido à direita. Os familiares que chegam tarde devem caminhar de joelhos até o caixão.

Coloca-se um altar ao pé do caixão para queimar incenso e se prende uma vela branca. Continuamente, queima-se papel “joss” (papel especial usado nesses rituais), e “dinheiro de oração” para prover ao falecido ingressos suficientes para a sua vida além-túmulo.

Durante o velório, geralmente, as pessoas jogam jogos de azar na varanda da casa do falecido. O cadáver tem de ser “custodiado” e jogar estes jogos ajuda aos que fazem a vigília a manterem-se despertos; e também ajuda a diminuir a dor dos parentes.

A duração do velório depende dos recursos financeiros da família, mas se necessita pelo menos um dia para permitir que as pessoas ofereçam suas orações e preces.

Enquanto o caixão está em casa, um monge canta durante a noite versos das escrituras budistas ou taoistas. Acredita-se que a alma do morto tem de enfrentar muitos obstáculos e torturas pelos pecados cometidos na vida, antes que seja permitido tomar seu lugar na vida após a morte.

As orações e cantos das escrituras sagradas e os rituais oferecidos pelos monges ajudam no caminho do falecido até o céu. As preces são acompanhadas da música de flauta, trompete e gongo.

Cerimônia fúnebre

Quando as orações e a cerimônia de preces se acabam, os lamentos alcançam o ponto máximo e o caixão é fechado com pregos. O fechamento do caixão significa a separação dos mortos e dos vivos.

Papéis “sagrados” brancos e amarelos são colados no caixão para proteger o corpo de ser molestado por espíritos malignos. Durante o fechamento do caixão todos os presentes dão meia-volta, porque presenciar o fechamento do caixão é considerado de muita má sorte.

O caixão é levado com a cabeça do falecido para frente. Acredita-se que as bênçãos do falecido são conferidas aos que carregam o caixão, portanto, geralmente, há muitos voluntários levando o caixão com um pau fixado por cima dele.

Não se leva o caixão diretamente ao cemitério; primeiro é colocado ao lado do caminho, fora de casa, onde mais pessoas oferecem suas orações e papéis. Logo se coloca o caixão em um carro fúnebre que se move muito lentamente por um quilômetro e meio com seu filho maior e membros da família seguindo atrás e tocando o carro com suas cabeças.

Amarra-se um pedaço de tecido branco nos carros que acompanham o carro fúnebre, ou põe-se um pedaço de papel branco nas janelas. Geralmente, o filho maior se senta ao lado do caixão.

A ordem da procissão funerária segue as posições dentro da família. Acende-se um pau de joss que se mantém assim durante toda a procissão simbolizando a alma do falecido. Se o pau se apaga, volta-se a acendê-lo imediatamente.

Na procissão, ocasionalmente, levam-se papéis com formas de automóveis, barcos, etc., simbolizando a riqueza da família do falecido.

Se a procissão tem de cruzar a água, deve-se informar ao falecido que o cortejo vai cruzá-la. Acredita-se que se o falecido não for informado, sua alma não poderá cruzar a água.

O enterro

Geralmente, os cemitérios chineses estão na ladeira dos montes, porque se acredita que melhora o feng shui. Quanto mais alta está a tumba, acredita-se que melhor é a situação.

Quando a procissão chega ao cemitério, todos os presentes dão meia-volta quando o caixão é tirado do carro, e também dão meia-volta quando o caixão é colocado na tumba.

Os familiares jogam um punhado de terra antes que o caixão esteja completamente coberto com terra. Depois do funeral, toda a roupa usada por aqueles que assistiram ao cortejo é queimada para evitar a má sorte associada com a morte.

Depois que o ataúde é fechado, o sepultador também oferece preces ao falecido.

A família do falecido entrega a ele um pacote vermelho que contém dinheiro. Este é um sinal de gratidão. De acordo com a tradição, o dinheiro deve ser gasto.

Como sinal de gratidão, eles entregam uma toalha branca aos visitantes para secarem o suor.

O filho maior retira um punhado de terra da tumba que será colocada no queimador de incenso, e a família em casa continuará orando pelo falecido usando uma tábua dos ancestrais.

O luto

Mesmo que os rituais funerários tenham se acabado, o período de luto para a família continua por 100 dias. Cada membro da família leva um pedaço de pano colorido na manga por 100 dias significando que estão de luto. É preto para os filhos do falecido, azul para os netos e verde para os bisnetos. As famílias mais conservadoras irão levar estes pedaços por três anos.

Não se mantém luto se morre uma criança, e o marido não está obrigado a guardar luto se a esposa morre.

O retorno do falecido

A crença chinesa diz que sete dias após a morte de um membro da família, sua alma voltará à sua casa. Pode-se colocar uma placa vermelha com uma inscrição adequada fora da casa neste tempo para que a alma não se perca.

No dia em que a alma retorna, os membros da família devem ficar em seus lares. Pode-se espalhar farinha ou talco na entrada e no corredor da casa para detectar a visita do falecido.

A tradição da morte desde o regime comunista

Na China, nas últimas décadas, a cremação está chegando ao mesmo nível de popularidade que no resto do mundo. As últimas estatísticas mostram que quase 46% das mortes terminam em cremação. Este é um aumento de 15% desde a metade do século XX.

Para muitos, essas cifras podem ser um tanto desalentadoras; elas são o resultado de que em grande parte da China a cremação é obrigatória por lei.

Sob o regime comunista dos anos 40, os funcionários proibiram a tradição funerária e ordenaram que todos os mortos fossem cremados.

Usaram todos os argumentos usuais para validar a cremação, como enterrar os corpos em um cemitério é uma perda inútil de espaço, é danoso para o ambiente e é muito mais caro que a cremação.

Como na China há budistas que usam a cremação há muito tempo, isto também foi usado pelo regime para justificar as novas leis.

Poderia se dizer, na realidade, que os textos religiosos mais importantes se mantêm em silêncio quando se trata deste assunto.

Porém, houve muito resistência, e assegurar que a ordem fosse cumprida apresentou muitas dificuldades. Os funcionários governamentais decidiram não brigar com os residentes a respeito da cremação.

Seguir esta ordem foi, naquele tempo, como é atualmente, mais ou menos voluntário. Então, as autoridades começaram a publicar artigos glorificando a cremação e fazendo outras coisas pacíficas para persuadir os chineses a optarem pela cremação.

Hoje, nas grandes cidades da China, quase 100% dos mortos são cremados, porém, nas zonas rurais onde ainda são seguidos os valores conservadores e não os comunistas, a tradição do código moral dos funerais predomina como a escolha preferida.

A tradição familiar e os cemitérios permanecem na China rural apesar das leis de cremação; e, todavia, espera-se ver os funcionários governamentais algum dia tomarem medidas drásticas para reforçar as leis contra os funerais.

Enquanto isso, a cremação não é aceita como a escolha preferida, mesmo entre os que vivem nas grandes cidades e que habitualmente se submetem às regras.

Os dissidentes políticos na China se deparam ainda mais com a rigidez da lei que normalmente mantém os críticos calados. No caso da cremação parece haver uma indicação de que se deixasse a decisão ao voto popular, o resultado não seria o que as autoridades impõem.

Um homem da cidade de Liuzhou disse a um repórter estrangeiro: “Se fosse legal, quando eu morresse eu queria ser enterrado, não cremado.”

Não há surpresa de que Liuzhou ponha alguma resistência neste assunto. Tempos atrás, a cidade foi conhecida como a casa de “A Linha da Longevidade”, o melhor lugar para se comprar caixões de madeira de alta qualidade.

Na realidade, a lenda diz que os ataúdes d’A Linha da Longevidade eram tão bons que preservavam o cadáver perfeitamente até seis meses após a morte.

A famosa rua se chama agora A Linha Sempre Verde e está cheia de gente que vive nas velhas fábricas de caixões que foram reformadas para moradias. Os pequenos letreiros nas ruas são testemunhos das velhas tradições do povo chinês.

 

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