Associações profissionais pedem que governo australiano investigue controversa exposição “Real Bodies”

Questões éticas e legais já levaram à proibição de exposições semelhantes de cadáveres humanos em outros lugares como Havaí, França, Seattle e Israel, bem como no Vietnã mais recentemente

05/09/2018 11:27 Atualizado: 05/09/2018 11:27

Por Mimi Nguyen Ly, Epoch Times

Associações de profissionais e especialistas da Austrália pedem que o governo de Nova Gales do Sul (NSW) investigue uma polêmica exposição em Sydney, que expõe cadáveres humanos esfolados e plastinados procedentes da China. Eles alegam que os cadáveres humanos e partes de corpos exibidos podem ser os restos de prisioneiros executados, incluindo prisioneiros de consciência.

Advogados Australianos de Direitos Humanos (ALHR), a Associação de Faculdades de Advocacia de Nova Gales do Sul, juntamente com outras organizações profissionais acadêmicas, civis e médicas enviaram uma carta aberta (PDF) à primeira-ministra de Nova Gales do Sul, Gladys Berejiklian, pedindo uma investigação imediata sobre a exposição “Real Bodies” (Corpos Reais) que está sendo apresentada no centro de recreação Entertainment Quarter em Sydney até 16 de setembro.

A exposição “Real Bodies”, que apresenta vinte cadáveres humanos reais plastinados juntamente com outras 200 partes de corpos também plastinadas, continua provocando a indignação pública devido à preocupação ética de que os restos mortais possam ser de cidadãos chineses que não deram seu consentimento. Plastinação é o processo de substituir os fluidos corporais do cadáver com silicone líquido para preservá-lo.

“Pedimos-lhe agora, como primeira-ministra de Nova Gales do Sul, uma investigação imediata e completa sobre se a exposição cumpre com as leis, diretrizes e princípios éticos da Austrália”, diz a carta. Entre os signatários estão Madeleine Bridgett, advogada internacional de direitos humanos, o professor de Bioética e Medicina Ian Kerridge da Universidade de Sydney, e a professora de ética clínica Wendy Rogers, da Universidade Macquarie.

A carta menciona “sérias preocupações éticas sobre direitos humanos” a respeito de como e onde foram obtidos os corpos e os órgãos da exibição. Ele também afirma que Tom Zaller, presidente e CEO da Imagine Exhibitions — empresa responsável pela exposição — já admitiu publicamente que não possui documentos de consentimento ou identificação que confirmem a origem dos corpos.

“Não ficou claro, sem essa documentação, se a exposição cumpre com as leis australianas e com as normas legais e éticas reconhecidas internacionalmente referentes ao uso de órgãos e espécimes”, diz a carta.

Corpos de prisioneiros de consciência da China?

Zaller havia negado anteriormente as alegações de que a origem dos corpos não era ética, argumentando que eram corpos “não reclamados” fornecidos por seu parceiro comercial, o Dr. Sui Hongjin, de Dalian, na China. Sui é diretor do Departamento de Anatomia da Universidade de Medicina de Dalian e gerente geral da Dalian Hoffen Bio-Technique.

No entanto, de acordo com peritos legais e médicos, “evidências confiáveis sugerem que o que está sendo exposto pode ser corpos e órgãos de prisioneiros de consciência executados, incluindo praticantes do Falun Dafa e uigures, dos quais há atualmente mais de 1 milhão de presos na China”, informa a carta, que menciona também a atualização de duas meticulosas investigações independentes sobre alegações de extração forçada de órgãos de prisioneiros de consciência da China.

A carta também menciona uma reportagem feita em agosto pelo canal ABC, quando um painel de direitos humanos da ONU concluiu que um milhão de uigures poderiam estar presos em campos de trabalhos forçados da China devido às suas crenças religiosas.

“Já é sabido que nesses campos de trabalho e ‘prisões negras’, o tráfico de órgãos ocorre em uma escala sem precedentes através da extração de órgãos e tecidos de prisioneiros de consciência executados”, acrescenta a carta.

Ao expor os corpos, os responsáveis podem estar violando a prática ética e legal, enfatiza a carta.

“A execução extrajudicial de prisioneiros de consciência com o objetivo da retirada de seus órgãos viola as leis fundamentais dos direitos humanos e as leis que regem os crimes cometidos contra a humanidade, o tráfico de órgãos e o turismo de transplantes de órgãos”, acrescenta a carta.

Departamento de Saúde de Nova Gales do Sul viola suas próprias leis ao aprovar a exposição

“Ainda não está claro se a exposição está em conformidade com as leis de licenciamento de anatomia de Nova Gales do Sul”, alega a carta enviada à primeira-ministra.

“Apesar dos reiterados pedidos, o Departamento de Saúde de NSW não investigou a exposição para garantir que ela cumpre [com suas políticas]. Pedimos-lhe que ordene ao Departamento que realize essa investigação.”

Em julho, a Real Faculdade de Medicina da Austrália (RACP) descobriu que o Departamento de Saúde de NSW violou suas próprias políticas quando aprovou a exposição.

De acordo com a Lei de Anatomia de 1977 de Nova Gales do Sul, os doadores ou seus parentes mais próximos devem dar seu consentimento por escrito para permitir o “exame anatômico” do corpo após a morte. O documento processual do Departamento de Saúde de NSW também confirma que é necessário o consentimento e a autorização do doador para qualquer procedimento que retenha permanentemente tecido humano.

Em resposta à carta da RACP, o Departamento de Saúde comentou que a Lei de Anatomia não se aplica à exposição, pois se refere ao “exame anatômico de corpos humanos falecidos” e não à sua exposição.

O professor Ian Kerridge, presidente da Comissão de Ética da RACP, informou que a resposta do Departamento é preocupante.

“Existem leis, regulamentos e políticas que se aplicam ao transporte de células, tecidos, partes do corpo e corpos através das fronteiras”, informou.

“Qualquer que seja o caso, o que preocupa aqui não são simplesmente as leis que norteiam esse tipo de atividade, mas a ética de fazê-lo, e sobre isso, o Estado e os governos guardam silêncio.”

O deputado do partido Verdes de Nova Gales do Sul, David Shoebridge, declarou em abril: “Todos nós acreditamos na dignidade dos seres humanos e em tratar as pessoas com dignidade e respeito tanto em vida quanto na morte. Essa exposição viola gravemente esse princípio. […] Nos deixa indignados que não possa ser comprovado […] [que] deram seu consentimento previamente para fazer isso”.

Preocupação internacional

Questões éticas e legais já levaram à proibição de exposições semelhantes de cadáveres humanos em outros lugares como Havaí, França, Seattle e Israel, bem como no Vietnã mais recentemente. As exposições foram suspensas porque os organizadores não puderam fornecer informações sobre a origem dos corpos.

A carta dirigida à primeira-ministra de Nova Gales do Sul afirma que o comércio de tecidos humanos e o tráfico de órgãos constituem graves crimes modernos de escravidão na Austrália e em todo o mundo.

“Em 6 de junho de 2018, o Parlamento de Nova Gales do Sul aprovou a Lei da Escravidão Moderna de 2018 que proíbe o comércio de tecidos humanos. Esse dispositivo tem efeitos extraterritoriais. A Lei do Código Penal da Austrália de 1995 também contempla o crime de tráfico de órgãos”, detalha a carta.

“A utilização de órgãos e tecidos humanos sem consentimento com fins lucrativos é a antítese da prática ética e legal internacional estabelecida na Declaração de Istambul sobre o Tráfico e o Transplante de Órgãos e na Convenção do Conselho da Europa Contra o Tráfico de Órgãos Humanos.”