Realismo: a ilustração e sua conotação depreciativa

27/06/2014 15:21 Atualizado: 18/12/2014 19:10

Ao longo da história, as pessoas têm encontrado um jeito após outro de comunicar seus pensamentos, ideias, crenças, valores e toda a gama de experiências vividas que desejam compartilhadas. Quando se trata de artes visuais, modernistas gostam de dizer, “Por que desperdiçar seu tempo fazendo realismo? Tudo já foi feito”. Isso seria exatamente como dizer: “Por que desperdiçar seu tempo escrevendo sobre qualquer coisa? Tudo já foi escrito. Não resta nada a dizer”.

O realismo foi denegrido repetidamente por ser não mais do que ilustração, como se ilustração fosse uma palavra suja. Será que alguém poderia dizer que a Capela Sistina de Michelangelo é apenas uma ilustração? Afinal de contas, ela faz ilustrações da Bíblia. Na verdade, a ilustração é apenas outra maneira de contar histórias.

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Será que nós rejeitamos a linguagem escrita porque ela nos conta uma história? É claro que não. Mas todos nós reconhecemos que há boas histórias e histórias ruins, algumas bem escritas ou mal escritas, eloquentes ou detalhadas. Assim, também existem obras de arte ruins, obras de arte medíocres, obras de arte boas e grandes, e as raras obras-primas.

Nós não podemos todos concordar o tempo todo, mas a maioria das pessoas pode ver intuitivamente o valor em um Vermeer, Rembrandt, Caravaggio, Alma-Tadema, ou William Bouguereau. E se as pessoas não sofreram uma lavagem cerebral, elas poderiam muito bem ser capazes de ver a verdade real sobre uma tela com pingos desorganizados de tinta sobre ela: que é uma coisa que praticamente não requer nenhuma habilidade para fazer, e carece de qualquer genuíno meio de comunicação.

O modernismo precisa rejeitar todo o realismo porque ele está rejeitando quase todo o significado. Quantas obras modernas são intituladas com a palavra “Sem título”? Sem título 1, Sem título 33, Sem título ‘ad nauseam’. Eles usam a palavra “Sem título” como um distintivo de honra. Ao fazer isso, eles e seus professores estão nos dizendo: “Olha, eu tive cuidado para não impregnar esta bagunça que eu fiz na tela com nenhum tipo de significado!”

Contar histórias tornou-se uma palavra suja no mundo da arte. Contar histórias é rebaixada para como mera “ilustração”, e a “ilustração” em si mesma é relegada para “artes comerciais”.

Vá se inscrever para estudar no departamento de artes plásticas de qualquer faculdade ou universidade nos Estados Unidos, e diga aos “funcionários” que administram o lugar que você quer pintar grandes cenas anedóticas, como histórias ou como pinturas alegóricas, ou até mesmo como cenas cotidianas que capturam a vida moderna – qualquer coisa que possa simbolizar ou expressar o mais poderoso dos temas humanos. O que você acha que vai acontecer?

Depois de olharem por baixo de seus narizes para você, tentando imaginar como dizerem o que querem, sem insultarem muito você, eles educadamente irão dizer-lhe: “Bem, querido, para esse assunto você deveria realmente checar o departamento de artes gráficas, ou procurar por uma escola de arte comercial ou ir para uma escola de comércio; nós não consideramos os seus interesses como belas artes”.

Eles vão lhe dizer que contar histórias não é o que eles fazem. Isso não lhes interessa. Não é um objetivo adequado para obras de arte. Não é “relevante”.

Então, o que é adequado para a filosofia modernista e pós-moderna? O que é relevante? Eles vão lhe dizer, “a forma pela sua própria forma” … “a cor pela sua própria cor” …. “a linha ou massa pelas suas próprias formas”. Isso é arte. Não há mais nada que a arte deva comunicar ou expressar. Eles dizem que estão nos mostrando como ver de forma diferente. Mas todos nós vemos o que está lá, e mais ainda, o que não está lá.

Para eles, esses truques abstratos ou minimalistas são muito mais dignos de elogios e mérito do que recriar cenas do mundo real, ou das nossas fantasias, mitos ou lendas; mais profundos do que as imagens que mostram as nossas esperanças, sonhos e os momentos mais poderosos na vida.

Telas vazias, ou salas vazias, ou pilhas de rochas são mais importantes para eles e assunto muito mais “relevante” do que os momentos na vida em que descrevem e definem a nossa humanidade compartilhada.

Praças coloridas são melhores para assuntos sobre pessoas de cor; camadas de papel texturizado são melhores para mostrar as texturas das camadas da vida. Dribles de tinta são mais convincentes do que uma criança aprendendo a driblar uma bola de basquete. Sacos de lixo são considerados mais sofisticados do que mostrar a transição da adolescência auto-consciente para a vida adulta auto-confiante. E uma luz piscando em uma sala vazia atrai elogios jornalísticos, enquanto o piscar de olhos da vida e do tempo não é nada mais que um sentimentalismo inútil.

Estes são os preceitos ignorantes dos diretores que administram os nossos museus e faculdades em cem anos de irrelevâncias banais, aborrecendo o interior de nossas almas e nossa juventude, em um sistema onde os trabalhadores qualificados são ridicularizados e os talentosos são ignorados e desiludidos.

Esta é a Parte 3 de uma série de 11 partes do discurso proferido por Frederick Ross no dia 07 de fevereiro de 2014, apresentado no Artists Keynote Address to the Connecticut Society of Portrait Artists. Frederick Ross é presidente e fundador do Art Renewal Center (www.artrenewal.org)

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