Por uma nova ética para lidar com a água

12/03/2014 13:34 Atualizado: 12/03/2014 15:54

Você já ouviu falar que o mundo está ficando sem água potável acessível? A humanidade está poluindo, administrando muito mal e deslocando nossas fontes finitas de água doce a um ritmo alarmante. Desde 1990, metade dos rios na China desapareceu. O Aquífero Ogallala que abastece o celeiro dos EUA terá desaparecido “em nosso tempo de vida”, diz o Departamento de Agricultura dos EUA.

Em 2030, a demanda mundial por água superará a oferta em 40%, uma receita certa para grande sofrimento. Quinhentos cientistas disseram recentemente ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que nosso abuso coletivo de água fez o planeta entrar numa “nova era geológica” e que a maioria da população do planeta vive a cerca de 50 km de uma fonte de água que está em perigo.

No entanto, eleição após eleição em todo o mundo, ninguém está prestando atenção a esta questão urgente. É por isso que eu estou pedindo uma nova ética sobre a água, que coloca a água e sua proteção no coração de todo o planejamento e prática política. Isto pode lhe parecer absurdo, mas temos de fazer isso agora. O futuro do planeta e da raça humana depende disso.

Considerar com seriedade nossa crise de água mudará tudo. Como a política agrícola se pareceria se entendêssemos que o sistema alimentar global está esgotando as bacias hidrográficas locais por meio da exportação de uma torrente de “água virtual”? Grandes quantidades de água estão incorporadas em maçãs, milho e outras culturas.

Como a política comercial mudaria se entendemos que os acordos comerciais globais dão as empresas globais o direito de clamar “propriedade” sobre a água que usam em outros países? Será que nossas políticas energéticas mudariam se percebemos que biocombustíveis beberrões de água podem ser ambientalmente mais perigosos do que os combustíveis fósseis que eles supostamente substituiriam?

Essa nova ética da água deveria honrar quatro princípios. Primeiro, a água é um direito humano e deve ser mais equitativamente compartilhada. As Nações Unidas reconheceram que a água potável e o saneamento são direitos fundamentais e que os governos têm a obrigação não só de prestar esses serviços a seu povo, mas também de evitar danos às fontes de água. Isto fornece uma ferramenta importante para as comunidades locais que enfrentam perigosas minas, barragens e operações de extração de combustíveis fósseis em todo o mundo.

Em segundo lugar, a água é um patrimônio comum da humanidade e das gerações futuras e deve ser protegida como um bem público na lei e na prática. A água não deveria ser comprada, acumulada, vendida ou comercializada como uma commodity no mercado aberto, e os governos devem preservar os bens comuns de água para o bem público, não para ganho privado. Embora as empresas privadas tenham um papel em ajudar a encontrar soluções para nossa crise de água, elas não devem ser autorizadas a determinar o acesso a esse serviço público básico. O bem público supera a iniciativa corporativa para lucrar quando se trata da água.

Em terceiro lugar, a água tem direitos também, além de sua utilidade para os seres humanos. A água pertence à Terra e às outras espécies. Nossa crença em “crescimento ilimitado” e nosso tratamento da água como ferramenta para o desenvolvimento industrial colocaram bacias hidrográficas do planeta em perigo. A água não é apenas um recurso para nossa conveniência, prazer e lucro. É o elemento essencial num ecossistema vivo. Precisamos adaptar nossas leis e práticas para garantir a proteção da água e a restauração de bacias hidrográficas.

Por fim, acredito profundamente que a água pode nos ensinar a viver juntos, se apenas deixarmos de abusá-la. Existe um enorme potencial de conflito pela água num mundo de crescente demanda e minguante oferta. Mas, assim como a água pode ser uma fonte de disputas, conflitos e violência, a água também pode reunir as pessoas, comunidades e nações na busca por soluções compartilhadas.

Preservar o abastecimento de água exigirá formas colaborativas e inovadoras de cultivar alimentos, produzir energia e comerciar internacionalmente. E exigirá um governo democrático determinado. Minha maior esperança é que a água possa se tornar um presente da natureza à humanidade, que nos ensine a viver mais harmoniosamente com a Terra e com paz e respeito mútuo.

Maude Barlow preside o Council of Canadians e a Food & Water Watch

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Foreign Policy in Focus