Pirataria na Somália gera desenvolvimento econômico

01/02/2012 15:47 Atualizado: 05/09/2013 20:57
Estratégias para contrapor a pirataria devem levar isso em consideração
O iate francês Le Ponant foi sequestrado por piratas somalis em abril de 2008. Cerca de 200 mil dólares do resgate foram recuperados pelas forças especiais francesas após a libertação do navio, pois os piratas costumam investir os espólios de seus sequestros com as comunidades locais, segundo um novo relatório da Chatham House (AFP/Getty Images)
O iate francês Le Ponant foi sequestrado por piratas somalis em abril de 2008. Cerca de 200 mil dólares do resgate foram recuperados pelas forças especiais francesas após a libertação do navio, pois os piratas costumam investir os espólios de seus sequestros com as comunidades locais, segundo um novo relatório da Chatham House (AFP/Getty Images)

Embora certamente prejudique a indústria de transporte marítimo internacional, os frutos da pirataria na Somália estão beneficiando mais do que um punhado de criminosos – eles estão sendo compartilhados com a comunidade em geral, afirmou um novo relatório baseado em imagens de satélite.

“A comunidade internacional deveria ter em mente estes resultados ao desenvolver estratégias terrestres para resolver o problema da pirataria da Somália”, declarou o Dr. Anja Shortland, autor do relatório para o instituto britânico Chatham House.

O objetivo da pesquisa era esclarecer os impactos financeiros da pirataria na Somália e ajudar a comunidade internacional a desenvolver uma abordagem para combater o flagelo da pirataria no Corno da África. Estima-se que em 2010, a pirataria tenha custado à comunidade internacional entre 7 e 12 bilhões de dólares.

A Somália não tem um governo central desde 1989, tornando difícil para os analistas obterem dados sobre a atividade econômica do país.

Uma cultura de partilha

Shortland destaca que a Somália tem uma cultura profundamente enraizada no compartilhamento, o que significa que as pessoas ricas elevam seu status por meio da partilha com os membros de seu clã. “Quantidades significativas do dinheiro dos resgates são gastos na Somália, mas o consumo ostensivo parece estar limitado por normas sociais que ditam a partilha dos recursos”, diz o relatório.

O peso deste princípio cultural é ilustrado por um provérbio somali citado no relatório, “O homem que é dono de 100 cabras, mas seus parentes não têm nada, ele é pobre.”

Segundo o relatório, quando o pirata chefe Abshir Boyah foi questionado, ele disse, “Não é que três pessoas dividam 1 milhão de dólares. Está mais para 300 pessoas.”

Mohamed Abdi, outro chefe pirata, “riu da ameaça feita pelas Nações Unidas de congelar os bens piratas”, segundo o relatório, ao perguntar, “Que bens?”

No entanto, a maior parte dos investimentos piratas parece ocorrer principalmente nas cidades de Bosasso e Garowe, ao invés de permanecer nas áreas costeiras, onde os piratas estão de fato baseados. Isto tem beneficiado o trabalho informal e os agricultores, principalmente em Puntland.

Para examinar a situação com precisão, os pesquisadores levaram em conta dois tipos de dados. Um deles, compilado pelas ONGs, mostrou que grande parte do dinheiro do resgate estava sendo convertida na moeda local, que os preços do gado subiram lado a lado com o aumento da pirataria e que os lucros da pirataria ajudaram a compensar o impacto das altas de preço dos alimentos em 2007-2008.

Posteriormente, eles observaram imagens noturnas de satélite para verificar onde o consumo de energia havia aumentado e notaram que as cidades do interior brilhavam mais do que as cidades costeiras de Puntland, como Eyl e Hobyo.

Abordagem baseada em terra

Vários anos de medidas internacionais contra a pirataria, junto com os esforços de mais de 30 países, têm ajudado a reduzir o número de sequestros piratas bem sucedidos.

Um relatório do Departamento Marítimo Internacional revelou que, embora nos primeiros nove meses de 2011, o número de tentativas de sequestros fosse maior do que no ano anterior – 199 tentativas contra 126 durante o mesmo período de 2010 – a taxa de êxito da pirataria diminuiu. Os piratas só conseguiram capturar 12% dos navios-alvo em 2011 em relação a 28% no ano anterior.

O relatório da Chatham observa que com o aumento do patrulhamento de navios de guerra e da segurança a bordo de navios mercantes, os piratas tentaram extrair mais dos navios que pediram resgate. “As negociações de resgate agora se arrastam por mais tempo e resultam em pagamentos recordes”, diz o relatório.

Em 2010, a média para resgatar um navio era de 10 milhões de dólares e cerca de 40% deste valor foi direto para o emprego local. No total, cerca de 250 milhões de dólares foram pagos em resgates.

Devido a esta situação, estrategistas internacionais estão analisando as opções para soluções terrestres, tais como substituir a renda da pirataria por outra fonte. Shortland nota que, mesmo que a totalidade dos rendimentos de resgate fosse substituída diretamente, ainda seria consideravelmente mais barato do que os 12 bilhões de dólares gastos com a pirataria no momento.

Com base nestes resultados, Shortland diz que uma estratégia deve levar em consideração que as comunidades costeiras de Puntland não estão se beneficiando com os espólios da pirataria.

A solução “deve ter por objetivo explorar o desapontamento local entre as comunidades costeiras sobre os benefícios econômicos da pirataria e oferecer-lhes uma alternativa que lhes traga benefícios muito maiores do os trazidos pelos piratas”.

“A repressão militar, por outro lado, privaria uma das nações mais pobres do mundo de uma importante fonte de renda e agravaria a miséria.”