Mídia, extração de órgãos e China: entrevista com Ethan Gutmann

20/04/2015 07:24 Atualizado: 20/04/2015 10:08

Ethan Gutmann é o autor do livro “The Slaughter (O Massacre)” e “Losing the New China (Fracassando a Nova China)“. Ethan tem escrito sobre a China para publicações como o Wall Street Journal – Asia, o Investor’s Business Daily, o Weekly Standard, o National Review e o World Affairs Journal. Prestou depoimentos e realizou conferências para o Congresso dos Estados Unidos, a CIA, o Parlamento Europeu, a Sociedade Internacional para os Direitos Humanos em Genebra, a ONU e para os parlamentos de Ottawa, Canberra, Dublin, Edimburgo e Londres. Como um ex-analista de política externa da Brookings Institution, Gutmann tem dado entrevistas para a PBS, CNN, BBC, e CNBC.

Shelley B. Blank: Bom dia Ethan e parabéns pelo seu novo livro: “The Slaughter”. Onde as pessoas podem obter o livro?

Ethan Gutmann: Obrigado Shelley. A versão impressa, nos sites Amazon, Barnes & Noble ou Random House. Aqui em Londres, a maioria das grandes livrarias tem o livro. Claro, se você está ansioso para lê-lo, você pode baixar a edição eletrônica em cerca de um minuto. A edição alemã será publicada em um ou dois meses. Eu acho que até o fim do ano teremos também o livro em chinês, checo e possivelmente até mesmo uma edição em áudio em inglês.

Sr. Blank: Será que ler a edição eletrônica faz alguma diferença? Deixe-me colocar a questão de forma mais ampla: sobre especificamente o alarmante assunto da extração de órgãos com a participação do governo da China, que diferenças você percebe entre os leitores da versão digital e da tradicional versão impressa?

Sr. Gutmann: Eu li pelo menos um estudo que mostra – e isso está de acordo com a minha experiência –, que a retenção na leitura do livro eletrônico é significativamente menor. Isso não quer dizer que ler um livro num dispositivo eletrônico é desperdício de tempo. Não é, eu certamente também faço isso. Se você lê em um computador, tudo está a um clique de distância: amigos, entretenimento, notícias. Este ponto tem a ver com a sua questão. Cada vez mais, os artigos de notícias são escritos para a WEB, são feitos especificamente para um espaço onde a gratificação imediata está presente. Artigos sobre a colheita forçada de órgãos na China escritos para a web não são exceção.

O ativismo (investigação, telefonemas, demonstrações, etc.) está sendo substituído por simplesmente compartilhar mensagens dramáticas nas mídias sociais. Olha, eu gosto de ser conhecido como um defensor dos direitos humanos tanto quanto qualquer outra pessoa, mas você não pode dizer muito por meio de uma simples mensagem. Torna-se apenas uma frase de efeito que simplesmente afirma que pessoas inocentes estão sendo mortas por seus órgãos. Não cita provas. Não são persuasivas num nível profundo. Mas não há tempo nem espaço para isso na web. Num mundo assim, citar o livro “The Slaughter” numa mensagem é apenas uma simples citação para mostrar que há evidências e que realmente há pessoas sendo torturadas e mortas por causa de seus órgãos. Isso sem dúvida. No entanto, não são vítimas sem rosto, eram pessoas de carne e osso. Elas tinham nome, família e personalidade. Você acha que a maioria dos indivíduos ocidentais – humanos de bom coração – que circulam tais mensagem na web tem ideia sobre quem são essas pessoas? Eu tentei caracterizar as vítimas como elas são: reais e únicas – é por isso que escrevi o livro –, mas muitas pessoas simplesmente não reservam ou dispõem de tempo suficiente para ler em profundidade. Jornalistas que escrevem para a internet exploram sutilmente esse aspecto.

É por isso que o grau de conhecimento geral sobre a extração forçada de órgãos na China não avança; a imprensa não constrói sobre as bases já existentes. Em vez disso, é tudo novidade – “mulheres britânica usam creme facial que contém colágeno de prisioneiros executados!”. O relatório “Bloody Harvest (Colheita Sangrenta)” mostra que praticantes do Falun Gong estão sendo mortos! Puxa, mas de repente o regime chinês anuncia que vai parar de extrair órgãos de prisioneiros! Todas essas coisas já foram relatadas antes e repetidamente. Há notícias reais a relatar; nós que investigamos este assunto – Kilgour e Matas, Epoch Times, WOIPFG [Organização Mundial para Investigar a Perseguição ao Falun Gong], DAFOH [Médicos Contra a Extração Forçado de Órgãos] – temos, ao longo dos anos, feito enormes avanços na nossa compreensão sobre a extração de órgãos na China. Há sempre algo novo.

Sr. Blank: Você disse “ao longo dos anos”? Talvez este seja um bom momento para pedir-lhe que compartilhe seus pensamentos e registros sobre um colega seu que faleceu recentemente: o jornalista, Danny Schechter.

Sr. Gutmann: A investigação sobre a extração forçada de órgãos na China começou em 2006. Vamos voltar um pouco mais no tempo. Danny Schechter foi meu amigo e ele era um “co-conspirador” em meus primeiros projetos na China. De fato, a primeira reportagem em vídeo que fiz sobre o Falun Gong – a primeira palestra em Washington D.C. – foi em parceria com Danny, foi por volta de agosto de 1999. Podemos ter divergências no campo político, mas Danny, como o primeiro autor ocidental de um livro abrangente sobre a repressão ao Falun Gong, sempre fincou sua bandeira e discurso onde outros esquerdistas tinham medo de fincar. E por volta do ano 2000, ele previu que a atual repressão ao Falun Gong tem o potencial para “se transformar em uma tragédia comparável com alguns dos pesadelos mais marcantes na história”. Considero-o um visionário, eu nunca vou esquecer aquele cara.

Sr. Blank: Tendo em mente a tragédia humana da extração forçada de órgãos patrocinada pelo Estado chinês, como você acha que a literacia digital e a mídia mudou a forma como lidamos com a notícia?

Sr. Gutmann: É um paradoxo, mas a apatia está realmente aumentando.

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Sr. Blank: Você quer dizer que temos mais cobertura da mídia agora, mas menos resposta do público? Menos pessoas estão realmente acompanhando e refletindo sobre a informação? O grande volume de informação está sobrepondo o seu significado?

Sr. Gutmann: Sim, no sentido de que o grande volume de atrocidades globais – e sua grande exposição de forma explícita, como no caso do ISIS [Estado Islâmico do Iraque e do Levante], mostrando claramente execuções envolvendo crianças e assim por diante – oprime e embota os sentidos. Por exemplo, nós simplesmente ouvimos que o ISIS está extraindo órgãos. Não há nenhuma comparação com a quantidade de vítimas inocentes cujos órgãos estão sendo extraídos em hospitais militares chineses, contudo, tente dizer isso a alguém que simplesmente só assisti a um vídeo de um homem sendo queimado vivo ou executado! Em nosso mundo conectado, notícias sobre o mal se espalham rapidamente e, no caso da extração forçada de órgãos, de forma viral. Na internet, lutamos contra o mal, mas pagamos um preço em termos de exaustão da compaixão. Por outro lado, o paradoxo é que, quando se trata de China, não há excesso de informações. O volume de informação disponível é realmente pequeno. É por isso que a história individual de cada refugiado (da China), cada fato, é tão incrivelmente preciosa.

Sr. Blank: Na China, o governo tem agora a capacidade tecnológica de censurar e bloquear informações e notícias como se controlasse uma torneira. Ethan, você tem se apresentado em comissões governamentais para falar de temas como o “Golden Shield [um sistema de vigilância e monitoramento da internet na China]” e a participação da empresa Cisco Systems nisso, tem falado de como isso tem dado ao regime chinês a “capacidade de monitorar os serviços online de chat e correio eletrônico, de identificar endereços de IP e de recuperar toda a comunicação anterior da pessoa para, em seguida, localizá-la… e, então, prendê-la“.

Sr. Gutmann: Sim, essa é a realidade na China. No Ocidente, a internet cria a ilusão de que estamos todos conectados, que por meio da internet vemos tudo o que acontece no mundo, como um deus. Temos um amigo chinês no Facebook e já pensamos que conhecemos a China. Mas não sabemos quase nada da China, nem seu amigo que vive na China; os chineses vivem numa gaiola elaboradamente construída pelo regime chinês. Esse é o verdadeiro significado do Big-Brother da internet. E esse modelo autoritário tem um futuro, que vai além da China, vai além dos avisos de Julian Assange (ciberativista e membro do Wikileaks) ou de Edward Snowden no Ocidente. Empresas ocidentais, em muitos casos, foram à China apenas para fazer negócios, mas o que elas ajudaram a construir é muito mais sofisticado e perigoso do que qualquer coisa que a NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) já criou no Ocidente.

Sr. Blank: Você entrevistou mais de 100 testemunhas, entre elas, sobreviventes do Falun Gong, médicos, policiais e administradores de presídio e de campos de trabalho forçado. Você declarou que, de 2000 e 2008, mais de 65.000 praticantes do Falun Gong foram mortos por seus órgãos e que entre 450 mil e 1 milhão de praticantes do Falun Gong estão presos na China. E que há vítimas de outros grupos: os uigures (muçulmanos), tibetanos, cristãos. Como jornalista, como você se sente sobre a forma como a imprensa internacional denuncia tal tragédia humano? E o que mais você acha que a imprensa deveria estar fazendo?

Sr. Gutmann: Gostaria de pedir à imprensa para parar de reinventar a roda e começar a fazer alguma investigação básica própria. Nos trabalhos de Kilgour, Matas e o meu, você poderá encontrar um roteiro para enormes áreas desconhecidas em nossa compreensão sobre a extração de órgãos na China, por exemplo, o tamanho de sua participação no turismo de órgãos no Ocidente. É um vasto território aberto, já maduro para a exploração.

Sr. Blank: Você acha que os profissionais da medicina dos EUA poderiam fazer mais para mudar essa situação na China? Eles estão fazendo isso agora?

Sr. Gutmann: Shelley, eles são os maiores participantes nesse tabuleiro. O regime chinês anunciou, em 1º de janeiro de 2015, que parou de extrair órgãos de prisioneiros. Na verdade, eles têm feito promessas semelhantes, mas não cumpridas, desde 2012. Desta vez, no entanto, eles deixaram uma brecha: prisioneiros estão autorizados a serem doadores voluntários dentro das novas regras. Não está claro como os presos serão contabilizados e, de fato, o número entre as doações e os transplantes na China está cada vez mais desvinculado de qualquer realidade e explicação plausível. No entanto, o organizações médicas ocidentais estão pensando seriamente em premiar publicamente os chineses por esse enganoso simulacro anunciado; ao que parece, muitos de nossos médicos são “educados e polidos demais” até mesmo para verificar se o que os chineses dizem é o que realmente vão fazer!

Recentemente, eu fui convidado a escrever um texto destinado a uma instituição médica americana por meio do qual eu supliquei a ela para que não levasse adiante esse plano (de premiação). Pode parecer irrelevante, mas eu senti certa resistência emocional ao escrever o texto porque eu estaria simplesmente repetindo as palavras finais do meu livro: “Nenhuma entidade Ocidental tem autoridade moral para impedir de trazer à tona um crime contra a humanidade em troca de “promessas” de reformas no sistema médico [na China]. Como um mecanismo para a sobrevivência da nossa espécie, é preciso contextualizar e julgar as coisas, para assim, finalmente, poder aprender com cada evento humano de extermínio em massa. Em última análise, independentemente do que os historiadores dirão sobre a colheita de órgãos na China ou disseram sobre a sistêmica brutalidade no Arquipélago Gulag ou sobre os métodos de conversão da Inquisição espanhola, o importante é que há uma história que pesa sobre as vítimas e só as famílias das vítimas podem absolver parte desse peso“.

Sr. Blank: O que você acha que poderia gerar resultados positivos eficazes e chamar a atenção para essa maldade na China?

Sr. Gutmann: Devemos usar as ferramentas à mão. Sim, a internet, mesmo com as limitações citadas, é um espaço para chamar atenção das pessoas, onde tweets e memes (ideias propagadas) são reis e a Wikipédia é tratada como uma fonte confiável. No entanto, a internet também tem promovido uma ideia muito poderosa: todos nós podemos participar. Você pode. No entanto, do mesmo modo que nos afastamos de uma fogueira para ver as estrelas no céu noturno, você precisa se afastar da tela do computador por um momento. Leia “The Slaughter” – leia criticamente! Leia Bloody Harvest! Leia “State Organs” também. Em seguida, faça sua própria pesquisa . As ferramentas podem sem dúvida variar, mas a luta contra o mal parece ser eterna e comum a todos.

Shelley B. Blank tem trabalhado em grandes jornais nacionais e internacionais como jornalista bem como um executivo. Shelley tem produzido programas para a Public Radio e palestras sobre comunicação multimídia e tecnologias modernas.