Da paz à perseguição: As provações de uma família na China comunista

25/06/2009 00:00 Atualizado: 25/06/2009 00:00

Jing Cai (E) e Jing Tian se preparam para um desfile na Tailândia. (Cortesia de Jing Tian)

A estória das irmãs Jing Cai e Jing Tian, que atualmente moram em Vancouver, Canadá, conta como uma família harmoniosa foi fragmentada depois que o regime comunista chinês lançou e espalhou a campanha de perseguição ao Falun Gong em 1999.

As irmãs descobriram o Falun Gong, uma disciplina espiritual tradicional também conhecida como Falun Dafa, em outubro de 1995, num tempo em que a disciplina se espalhava rapidamente pela China, e apenas três anos após seu fundador, Li Hongzhi, começar a divulgá-la publicamente.

Jing Cai, na época com 23 anos, disse que se sentiu “iluminada” após de ter lido o “Zhuan Falun” pela primeira vez, o livro dos principais ensinamentos do Falun Dafa, que era vendido na livraria em que trabalhava em Shenyang, nordeste da China.

No dia seguinte, apesar de sua “personalidade extremamente introvertida”, ela decidiu se juntar a outros praticantes para realizar os exercícios da prática ao ar livre num local próximo de seu apartamento.

Uma semana depois, a irmã mais velha de Jing Cai, Jing Tian, começou a praticar, e logo depois sua doença do coração desapareceu. Sua mãe, Chen Jun, trabalhadora numa fábrica teve uma experiência similar. Apenas um ano após o início da prática, suas doenças, que incluíam diabetes e colecistite, simplesmente desapareceram.

Na época, as irmãs e a mãe eram as únicas que moravam na casa da família.

Estes foram os anos de tranquilidade para o Falun Gong, disse Jing Cai.

“Nós tivemos quatro anos de cultivo pacífico e bom ambiente de prática. O local de prática do nosso bairro expandiu de 30 praticantes para mais de 100. Durante este período, nós tomamos a iniciativa de participar de cada atividade do Falun Dafa possível.”

Em maio de 1998, Jing Tian, Jing Cai, e a mãe Chen Jun se juntaram a outros 10 mil praticantes do Falun Gong para se exercitarem em conjunto em Shenyang, Liaoning. (Minghui.org)

O apelo de 25 de abril, um prelúdio da perseguição

No entanto, como o crescimento da influência do Falun Gong, altos membros do Partido Comunista Chinês (PCCh) começaram a intervir. A polícia começou a perseguir os praticantes em algumas regiões, revistas publicaram artigos atacando a prática e o qigong em geral. Em um incidente em Tianjin, após o cunhado de um membro do Politburo ter publicado um artigo atacando o Falun Gong, praticantes foram até o escritório da revista solicitar uma retratação. A polícia agrediu e prendeu mais de 40 praticantes e direcionou todos os apelos para Pequim.

Em 25 de abril, praticantes de toda a China, incluindo Jing Cai, Jing Tian e Chen Jun foram a Pequim para apelar contra a perseguição.

“Apesar de não saber exatamente o que aconteceu, pudemos concluir que o governo mais uma vez cometeu atos errados, porque sabíamos que os praticantes do Falun Gong não praticam atos ilegais. Então decidimos ir à petição”, disse Jing Cai.

Após sua chegada à Ouvidoria Pública do Estado na rua Fuyou, dezenas de milhares de praticantes já estavam reunidos. Alguns foram até o Complexo da Liderança em Zhongnanhai reunir-se com o Premier Zhu Rongji. Todo o resto esperou pacientemente em torno do edifício, conforme as instruções da polícia.

Após a reunião, o Premier Zhu prometeu libertar os presos em Tianjin, e então os quase 10.000 praticantes partiram tão silenciosamente como vieram.

No entanto, depois do encontro de 25 de abril, o ambiente começou a mudar para o Falun Gong em todo o país. Então, em 20 de julho de 1999, o regime chinês proibiu o Falun Gong e deu início à perseguição.

Mantendo a convicção

A partir da meia-noite de 20 de julho, os coordenadores do Falun Gong em todo o país foram presos. Jing Tian foi tirada de seu trabalho para o Gabinete de Segurança Pública, onde foi interrogada por mais de 10 policiais.

No dia seguinte, muitos foram apelar às autoridades da província local, incluindo Jing Tian, em consequência, eles foram detidos em estádios ao ar livre. Eventualmente, todos foram liberados, exceto Jing Tian, por causa de sua atitude “teimosa”. Ela foi transferida para a delegacia de polícia local.

Em 22 de julho, Jing Cai, Chen, e muitos outros praticantes foram apelar. Todos foram presos e transportados em grandes caminhões militares para várias pequenas academias. Lá, foi anunciado que a partir daquele momento o Falun Gong era uma “organização ilegal”.

Todo mundo foi logo liberado e as família se uniram mais uma vez. Porém, os praticantes de todo o país não podiam mais frequentar os locais de prática. Eles também foram orientados a entregar todos os seus livros do Falun Dafa para as autoridades.

Jing Tian foi detida temporariamente na tentativa de forçá-la a entregar seus livros. Muitos livros foram retirados das casas de praticantes à força.

“Nossa família acabou não entregando um único livro para eles, embora, infelizmente, alguns [outros praticantes] tenham entregue devido à imensa pressão”, disse Cai Jing.

Chen Jun pratica o exercício de meditação do Falun Gong em sua casa em Shenyang, Liaoning. (Cortesia de Jing Tian)

O primeiro cartaz antiperseguição é levantado na Praça Tiananmen

Logo surgiram notícias do primeiro praticante, Zhao Jinhua da província de Shandong, ter sido torturado até a morte e da tentativa do regime de rotular o Falun Gong como um “culto” através da mídia estatal.

“Depois de ouvir os noticiários, minha mãe disse, ‘Zhao Jinhua nem sequer saiu de casa. Ela estava apenas fazendo seu trabalho na plantação e no momento seguinte, foi espancada até a morte. Então eu estou segura ficando sentada em casa? Se eu não apelar ao governo, isto significa que o governo não vai me achar?'”, disse Jing Cai.

Assim, a família, juntamente com mais de 20 outros praticantes de Shenyang e cidades vizinhas, decidiram ir apelar à Ouvidoria Pública do Estado em Pequim em outubro de 1999. Depois de serem censurados por oficiais, a maioria foi enviada de volta para sua cidade natal.

No entanto, Jing Cai e Chen foram detidas numa delegacia de polícia em Shenyang, e em 21 de outubro foram enviadas para um centro de detenção.

Foi depois disto que o cartaz fora da Ouvidoria Pública do Estado em Pequim foi removido. O escritório não iria mais aceitar qualquer tipo de apelo.

“É por isso que, mais tarde, [praticantes] começaram a segurar bandeiras na Praça Tiananmen [também conhecida como Praça da Paz Celestial]. Foi porque não havia porta para nós entrarmos para reivindicar. Então como nossos pensamentos poderiam ser expressos? Foi assim que os praticantes começaram a carregar cartazes”, disse Jing Cai.

Chen e Jing Cai foram enviadas para um centro de lavagem cerebral por seis meses, onde foram “reeducadas” e torturadas.

Durante este tempo, Jing Tian e alguns outros foram para a Praça Tiananmen, onde estenderam uma faixa dizendo: “Apelo pacífico dos praticantes do Falun Dafa.”

“A polícia a princípio não sabia o que fazer. Eles realmente não se atreveram a vir até nós. No final, fomos apreendidos por alguns bandidos locais contratados por eles e então enviados para uma agência do departamento de segurança pública”, disse Jing Tian.

Este se tornou o primeiro cartaz antiperseguição a ser levantado na Praça Tiananmen. Muitos mais se seguiriam.

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Presos por se expressarem

Logo depois de levantar a bandeira, Jing Tian foi enviada a um centro de detenção por dois meses. Ela foi separada de outros praticantes presos devido a sua “excessivamente determinada” vontade de continuar a prática e ao fato de que ela foi um dos primeiros a apelar na Praça Tiananmen.

Jing Tian foi particularmente punida de forma severa, porque ela e outro praticante decidiram assumir a responsabilidade completa pelo “incidente do cartaz em Tiananmen” para que os outros pudessem ser soltos.

Mais tarde, ela foi transferida para o Campo de Trabalho de Tangshan na província de Hebei por 14 meses.

“Nós protestamos firmemente quando descobrimos que praticantes foram perseguidos até a morte. Lá, era como o inferno na terra. Foi horrível. Eu nunca havia visto tais torturas, mesmo em filmes”, disse Jing Tian.

Muitos praticantes decidiram protestar iniciando uma greve de fome. Isto por si só tornou-se uma forma de tortura, pois os grevistas eram alimentados à força através de um tubo grosso com todos os tipos de substâncias vis, incluindo vinagre, licores fortes, óleo de pimenta, óleo de mostarda, água fervente, urina e fezes.

Jing Tian fez sua primeira greve de fome depois que a polícia confiscou seus materiais de leitura do Falun Gong. Ela também participou de uma greve de fome em larga escala que foi iniciada quando um praticante foi espancado até a morte no campo de trabalho. Neste período, ela permaneceu 56 dias sem comer ou beber, enquanto era alimentada à força periodicamente.

Tian Jing finalmente foi solta, e a família se reuniu na véspera do Natal de 2000.

Em casa novamente, mas não por muito tempo

Entretanto, a casa da família era frequentemente alvo de ameaças e perseguição pela polícia. Espiões também haviam se infiltrado no grupo local.

A família se envolveu em fazer panfletos esclarecendo a verdade e utilizando outros meios para expor os fatos sobre a perseguição e combater a propaganda do regime difamando o Falun Gong.

Em maio de 2001, um centro de lavagem cerebral foi criado em Shenyang. Logo depois, a polícia capturou Jing Tian e sua mãe em casa. Jing Cai estava fora no momento, e foi advertida pelo irmão a não ir para casa porque a polícia estava a sua procura.

Com inúmeros praticantes do Falun Gong na China, Jing Cai deixou sua própria casa para evitar ser presa.

Chen e Jing Tian receberam três e dez anos respectivamente em reeducação nos campos de trabalho. No entanto, inicialmente, Jing Tian foi colocada temporariamente no Centro de Detenção de Shenyang.

A cidade de Shenyang é onde a extração de órgãos de praticantes do Falun Gong foi a mais prevalente na China, segundo um relatório de 2006 com base numa investigação independente dos canadenses David Matas, advogado de direitos humanos internacional, e David Kilgour, ex-membro do Parlamento Europeu e ex-Secretário de Estado para a Ásia-Pacífico.

Enquanto ela estava no Campo de Trabalho de Tangshan e no Centro de Detenção de Shenyang, o sangue de Jing Tian foi coletado. Ela não entendia porque, até perceber que os exames de sangue eram um passo preliminar para a extração dos órgãos.

Ainda no Centro de Detenção de Shenyang, Jing Tian ouviu falar sobre uma greve de fome internacional, que foi iniciada em outubro de 2001 por mais de 100 praticantes em Masanjia, um dos mais notórios campos de reeducação pelo trabalho na China. Depois de uma triste experiência em sua última greve de fome, Jing Tian estava relutante em participar. Mas ela decidiu se comprometer com a causa, quando ela descobriu que sua mãe tinha sido enviada ao campo de trabalho numa idade tão avançada.

Liberdade à vista

Foi nessa época que, apesar dos perigos envolvidos, Jing Yu, o irmão mais novo das duas irmãs, também começou a praticar o Falun Gong. Os policiais estavam monitorando a casa da família e, eventualmente, Jing Yu foi preso.

Ele foi espancado impiedosamente por dois dias seguidos, a fim de forçá-lo a revelar o paradeiro de Jing Cai e de outros praticantes. Embora ele não tenha falado, o espancamento resultou em costelas quebradas, o que, por sua vez, causou-lhe problemas pulmonares. Ele foi então libertado.

Tanto Jing Yu como Jing Cai ficaram desabrigados por um tempo. Em seguida, com a ajuda de outros praticantes eles alugaram um apartamento e começaram a fazer material para esclarecimento da verdade como antes. Mas eles foram capturados novamente em 7 março de 2002 e enviados a um centro de detenção.

Até o final de 2003, as irmãs foram liberadas depois de passar por uma greve de fome de 50 dias. Inclusive Chen foi liberada devido a problemas de saúde. Jing Yu permanecia na cadeia.

“Depois de entrar em greve de fome por alguns dias, todos os meus cabelos ficaram brancos”, disse Jing Tian. “Acho que eles finalmente nos libertaram, pois pensaram que morreríamos no dia seguinte.”

Logo, os praticantes fora da China contataram a família e perguntaram se eles estavam dispostos a serem resgatados como refugiados, “porque eles sabiam de nossa história”, disse Jing Cai.

Jing Yu na China, antes do inicio da perseguição ao Falun Gong em julho de 1999. (Cortesia de Jing Tian)

“Inicialmente, eles queriam levar a minha mãe, minha irmã e eu. No entanto, meu irmão ainda estava na cadeia. Se nenhum parente permanecesse na China, a polícia iria persegui-lo ainda mais severamente. Então minha mãe decidiu ficar, enquanto minha irmã e eu viajamos. Uma vez que minha irmã e eu fomos condenadas a mais de 10 anos, poderíamos ser levadas de volta a qualquer momento.”

Apesar de não termos conseguido obter passaporte ou qualquer outra forma de identificação, Jing Cai, Jing Tian e Chen Song, um praticante com quem Jing Tian se casou em 2004, foram resgatados e levados até Bangkok, na Tailândia, em maio de 2006.

Eles finalmente chegaram a Vancouver em 13 de maio de 2009, Dia Mundial do Falun Dafa, depois de serem aceitos como refugiados pelo governo canadense.

Apesar de terem escapado da China e continuarem a dizer às pessoas sobre a perseguição, Jing Cai não pode relaxar em sua vida “tranquila” no Canadá.

“Ninguém mais está me perseguindo, eu posso fazer o que quiser, mas estou longe dos meus familiares e eles ainda estão sofrendo muito na China. Além disto, milhares de outros praticantes também estão detidos. Então, eu realmente não posso estar feliz em tais circunstâncias. Provavelmente eu ficaria ainda mais triste se minha vida se tornasse mais fácil a partir de agora, porque ainda há muitas pessoas que enfrentam tribulações correndo risco de morte por lá.”