Interesse estrangeiro na demarcação de terras indígenas denunciado por nativo: entrevista exclusiva | parte 2

Por Danielle Dutra
15/06/2023 20:43 Atualizado: 30/06/2023 15:39

“Na época em que começou a demarcação, nós tivemos conhecimento de que queriam formar apenas uma nação…Eles formando esse território,  seria tomado pelas Nações Unidas, que iria tomar conta de toda a segurança aqui, seria a ONU”  — isso é o que diz Isaías da Costa, indígena da comunidade indígena Maracanã 1 da etnia Macuxi,  da histórica região Raposa Serra do Sol a respeito do significado do Marco Temporal. 

Essa legislação, que limitaria a demarcação de terras indígenas ao desenho que possuía em outubro de 1988, tem repercutido no Brasil. A demarcação da Raposa Serra do Sol tem sido utilizada como exemplo para apoiadores e opositores ao Marco Temporal.

Em uma entrevista de três partes, a editora de agronegócio do Epoch Times, a engenheira agrônoma Danielle Dutra, ouviu a perspectiva de Isaías que esteve presente durante todo o debate acerca da demarcação de suas terras.

Na primeira parte da entrevista (disponível aqui), Isaías pontuou a atuação de dois padres estrangeiros que influenciaram na demarcação. Nessa segunda parte, ele relata como entende a atuação da Organização das Nações Unidas (ONU) na região. Confira: 

D.D: Isaías, na primeira parte da entrevista, você pontuou que padres estrangeiros criaram uma ONG para atuar na demarcação. O que aconteceu depois disto? 

I.C.:   Depois disso, depois dessa reunião, desse conselho que ele [o padre] deu de como fazer a retirada dos fazendeiros e garimpeiros, depois de tudo isso, nós nos vimos ameaçados também.

Porque eles falaram que quando tirassem os garimpeiros, fazendeiros da região, eles iriam tirar quem não apoiava a demarcação em área única, a demarcação Raposa Serra do Sol, e essas pessoas que não apoiaram, éramos nós.

Isaías em sua comunidade (Cortesia Isaías da Costa)

D.D.: E o que vocês fizeram?

I.C.:   Então, o que nós fizemos? Nos unimos e fomos buscar apoio na época de pessoas, que na época era Venceslau Brás, que era vereador de Normandia ainda na época, buscando apoio dele para ver como é que a gente poderia fazer um estatuto, porque ele tinha mais conhecimento. 

Como é que a gente poderia ter um estatuto? Como é que a gente poderia formar…ele que nos ajudou juridicamente nesta parte, ele nos orientou a fazer uma reunião, fazer uma ata da reunião e levar e  registrar e ajudar com a parte jurídica. Então,foi o que aconteceu. 

Tanto ele quanto o Brigadeiro Sousa Pinto, que era governador do Estado, ajudaram nessa parte jurídica e aí a gente chamou a nossa associação e essa associação foi presidida pelo Mauro que era tuxaua. Na época, foi esse o primeiro a ser o presidente da Associação da SODIURR (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima).

Aí veio os problemas. Mas nós já com a associação formada, nós tínhamos uma guerra jurídica a lutar todos os dias, mas agora a gente já estava amparado, existia uma associação e a gente tinha um local para se amparar.

 

Imagem da Raposa Serra do Sol (cortesia de Isaías)

D.D.: Então, formou-se dois grupos. Que tipo de problemas surgiram em decorrência disto? 

I.C.:  E aí veio aquelas guerras internas, aquelas brigas internas entre o indígena que não era do CIR, não que não apoiava a organização, que não apoiava as ideias das organizações e tinha nós. 

E ai fomos à luta para defender a permanência dos fazendeiros garimpeiros na região. Fizemos uma reunião, nos manifestamos porque nós tínhamos um parente que trabalhava com fazendeiro. A gente sabia que esses parentes traziam o sustento para nossas famílias, para as famílias deles, entendeu, trazia benefício, então a gente achava que se saísse todo mundo, iria piorar para a gente, não ia ter mais carro, não ia ter estrada, não ia ter mais nada, a saúde e outras coisas mais que até hoje atrapalha, a saúde.

D.D.: E o que aconteceu depois da demarcação?

I.C.:  A gente foi na luta em favor dos nossos direitos né. E essa briga continuou e piorou. Depois da demarcação, de fato, piorou tudo. As estradas, pontes. Aí eles pegaram, o pessoal que fazia parte da outra organização, do CIR, eles queimaram as pontes, teve pontes queimadas, outros tiraram a madeira das pontes e a estrada acabou. 

Porque o que dá acesso para essa região, são as pontes porque fora isso, se não tiver ponte, não tem como porque os igarapés aqui, no inverno em geral são profundos, com a correnteza forte, então tem a necessidade da ponte e foi destruído tudo isso aí.

Abundância de água mineral na Raposa Serra do Sol (cortesia de Isaías)

Na época deles, porque quem não os apoiava, eram sempre massacrados. Assim, vocês estão aqui, isso depois da demarcação né, vocês estão aqui, usando daquilo que a gente lutou, não lutaram com a gente, porque é que você quer sair daqui e tal, aquele negócio todo. 

É essa briga interna, teve essa briga interna, quase houve derramamento de sangue, mas nós sempre fomos passivos. Tivemos um tempo que treinamos homens, guerreiros,  índios guerreiros, numa idade de 16 a 45 anos, na época. 

Eu tive que sair da minha comunidade para servir o Exército para poder saber as táticas de combate de guerra. Muita coisa assim, a gente ficava pensando no que poderia acontecer, a gente tinha que se precaver em todas as situações. 

Mas acalmou, hoje está um pouco calmo. E agora, com essa história do marco temporal, já começaram a se mobilizar de novo. E tem muita gente hoje na praça do Centro Cívico para essa mobilização. Então é justamente isso o que aconteceu.

D.D.: E qual é o interesse dessas ONGs estrangeiras, porque é que esses padres, as ONGs, têm esse interesse na demarcação indígena? 

I.C.:   Então, por trás de tudo isso existe um interesse mesmo na riqueza do Estado ou da região. 

Na época em que começou a demarcação, nós tivemos conhecimento de que queriam formar apenas uma nação! Era o território que pegava da Cabeça do Cachorro, que na língua dos indígenas se chama quicuia, que é Cabeça de Cachorro em São Gabriel da Cachoeira, ao Amapá cortando reto. Só que não conseguiram fazer essa demarcação aqui na região de quicuia.

Porque toda essa região de quicuia até o extremo norte do Brasil, na Raposa Serra do Sol, ela está demarcada. Então uma parte aqui entre o Amazonas e o Estado de Roraima, tem uma parte que é o Parque Nacional Serra do Aracá, já se tornou um parque nacional, então essa é a divisa, mas tanto do lado de cá que é do estado de Roraima como o de lá que é do do Amazonas é a reserva Indígena Yanomami. E nessa área das reservas indígenas aqui, ela é muito extensa e muito grande. Tem vários tipos de povos aqui, não é só os yanomamis

Isaías alega a abundância de diamantes na Raposa Serra do Sol. Segundo ele, esse é o interesse das ONGs estrangeiras (cortesia de Isaías)

Então eles queriam demarcar essa área toda. Como a área dos yanomamis já estava demarcada, faltava essa parte do quicuia até a Raposa Serra do Sol e da Raposa Serra do Sol até a reserva indígena São Marcos e fecha a área dos yanomamis. Já chega no município de Amajari, fechando a área dos yanomamis e ai fazia esse cerco todo. E a capital de Boa Vista ficava apenas um ovo. 

Essa era a intenção deles, ter esse interesse nessas terras, porque essas reservas aqui, existem jazidas de ouro, diamantes, titânio, nióbio, cassiterita, cristal e água mineral. A grande fonte de água mineral existente está situada aqui no Estado de Roraima e em 

especial no município de Amajari e parte do município de Normandia e total no município de Uiramutã onde tem água mineral com 2,4 de teor, uma água boa, potável e não precisa de muitos cuidados para poder ser consumido.

Mas o interesse mesmo deles em relação a essas áreas a serem demarcadas é justamente isso, eu não posso dizer que tem petróleo, mas penso que os estudiosos da geologia nos informaram que existe petróleo aqui, mas eu não posso afirmar porque também não tem como comprovar essa parte. Mas essa parte em relação ao ouro, diamante, cassiterita, nióbio titânio eu posso comprovar que realmente existe.

Eles formando esse território,  seria tomado pelas Nações Unidas, que iria tomar conta de toda a segurança aqui, seria a ONU, com seu exército de todos os países.

Porque quando tivesse criado isso aqui, eles iriam criar uma crise indígena e criando uma crise indígena eles iriam alegar que o país, o governo federal não estava dando assistência aos indígenas e iriam adentrar aqui, e tomar conta, a ONU com seu exército e toda estrutura de fora, medicamentos e outras coisas como existe hoje. 

Hoje, entraram uma boa parte desse grupo, estão na área dos yanomamis e supostamente dando apoio a eles, mas é complicado, ninguém sabe o que realmente estão fazendo. 

No tempo do governo Bolsonaro, essas ONGS, a maior parte não tinham acesso. Hoje toda a região está tomada por estrangeiros.

Isaías alega a abundância de ouro na região que os indígenas não podem usufruir (cortesia de Isaías)
Cassiterita, mineral utilizado óxido relativamente raro que constitui o principal minério de estanho utilizado na indústri (cortesia de Isaías)

D.D.: De onde vem esses estrangeiros?

I.C.: Então, esses estrangeiros se dizem eles, eles vêm em nome de Médicos Sem Fronteiras, médicos de fora e geralmente, quem tem conhecimento e habilidade na área investigativa, acaba vendo que esse povo, pode ser alguém informante ou um oficial de outros países estrangeiros que vem vestido de médicos sem saber quem são eles. 

Então ninguém pede [de onde vê],  porque são médicos, são pessoas do grupo do Médicos Sem Fronteiras, da Cruz Vermelha, tem um grupo da Cruz Vermelha, tem um grupo da Cruz Vermelha também na área dos yanomami, é uma ou outra organização não governamental, estrangeira como a Cruz Vermelha, que traz estrangeiros para poder adentrar nessa região.

Então, ninguém impede a saúde, ela é universal, então impede de entrar em canto nenhum. Então através disso, usando um órgão de inteligência, não precisa ser um cara sábio, mas precisa ter inteligência para acabar discernindo o que realmente eles estão fazendo através de dissimulação, usando o nome de saúde. 

Tudo isso que eu tô falando aqui, são fatos que estão ocorrendo hoje, agora no presente momento e o verdadeiro interesse das ONGS não é preservar os indígenas, porque hoje indígenas na área dos yanomami, eles passam fome.

As pessoas dizem que não, que eles vivem bem. Não vivem bem! Eu conheço muito bem as áreas yanomami. Trabalhei um bom tempo dentro como militar, trabalhei no pelotão de surucucu, trabalhei no pelotão de olaris. Então assim, lá dentro você vê as condições dos indígenas em que eles vivem, eles sobrevivem, eles não vivem.

Vivem em guerra entre si o tempo todo, matam-se entre si. Existem guerras entre si e, além de outras adversidades da saúde, como doenças de malária e outras doenças infecciosas existentes nesta região.

 

Vista aérea do território Yanomami (cortesia de Isaías da Costa)

D.D.: Isso quer dizer que essa região não consegue se desenvolver justamente pela presença das ONGs?

I.C.:  Isso é justamente isso! Não consegue desenvolver! Esse é um outro fator. O que eu tenho conseguido durante o período que eu trabalhei lá dentro, silenciosamente. O que eu percebi, é que eles querem a permanência desses indígenas, porque também existe um laboratório vivo de pesquisa do ser humano permitido. 

Muitos estudiosos de fora, como pessoas que estudam antropologia e geologia, eles vêm para essa região e vão diretamente para lá em nome de outras organizações, como a Fiocruz, e outros órgãos. Eu tenho visto isso não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira, nem a quarta vez. 

Todos os anos tem esse tipo de gente lá que são antropólogos estrangeiros. Antropólogos da maior parte são italianos e franceses e raramente tem canadense e raramente tem americanos, existem americanos também. Tem uma região que existem americanos. Cada um toma conta de uma, de uma parte de terra ali, cada um tem sua área de jurisdição ali.

Continua parte 3…

 

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