Tensão entre política e religião na China

13/04/2012 03:00 Atualizado: 02/11/2013 12:26

Tragédias de autoimolação têm continuamente ocorrido entre monges tibetanos nos últimos meses. Em 23 de março, o Diário do Povo Online culpou o Dalai Lama de incitar os monges tibetanos a se autoimolarem e acusou-o de espalhar o nazismo entre o povo tibetano.

Antes disso, oficiais do Ministério da Saúde do regime admitiram que os prisioneiros no corredor da morte são fonte de transplantes de órgãos na China. Isto lembrou as pessoas das alegações de praticantes do Falun Gong que seus membros desaparecidos na China são fonte de transplante de órgãos. Tudo isso pintou um quadro claro do duro conflito entre política e religião na China. A tensão nunca foi tão grande. Não só inclui o Falun Gong, mas também os monges budistas tibetanos, os muçulmanos na província de Xinjiang, e as igrejas protestantes e católicas.

Muito poucas pessoas, incluindo oficiais do regime ou indivíduos altamente educados, podem compreender essas questões do ponto de vista da estrutura social e da religião.

A maioria dos membros da maior etnia chinesa, a Han, pensa, “Nós demos às minorias étnicas tanto apoio econômico e políticas favoráveis, por que tais situações ainda acontecem?”

Quanto ao Falun Gong, muitas pessoas simplesmente repetem a propaganda do regime comunista que o chama de “culto”, e não estão dispostos realmente a ouvir o que os praticantes do Falun Gong têm a dizer.

A semelhança de opiniões entre as pessoas e o regime é causada pela relação intrínseca entre a religião e a política do Partido Comunista Chinês (PCC).

A religião sempre foi considerada como “a chave para decifrar a civilização humana” pelos estudiosos ocidentais que estudam religião. A China Contemporânea tem uma visão totalmente diferente da religião. Depois de 1949, por um tempo, todas as atividades religiosas foram proibidas e estudos religiosos foram abandonados.

Eu fiz um curso sobre “as três principais religiões do mundo” na faculdade. O conteúdo era muito superficial. A perspectiva histórica sobre a religião ensinada naquele curso era baseada na teoria marxista de que “a religião é o ópio do povo”.

A religião popular atingiu seu auge durante as dinastias Ming e Qing. Eu gradualmente me tornei conhecedor deste assunto quando estudei história. Baseado em minha própria leitura e pensamento, a intensa relação entre religião e política na China pode ser compreendida a partir dos três seguintes aspectos.

1. A influência da cultura política tradicional chinesa. Isso deve ser analisado de dois ângulos.

O primeiro ângulo: Embora o confucionismo fosse o mais respeitado em diferentes dinastias, o budismo e o taoismo também foram autorizados. Confucionismo, budismo e taoismo são todos considerados como legítimos.

Houve quatro períodos na história chinesa quando o budismo foi suprimido, e eles são chamados de períodos “três Wu e um Zong”. Havia razões culturais e econômicas para a supressão. A razão cultural era que as elites sociais seguiam o confucionismo e, portanto, eram contra o budismo. A razão econômica, que é mais importante, era porque os monges e monjas budistas não produzem renda e, portanto, não pagavam impostos.

No entanto, a tensão e o horror criado por essas supressões foi muito menos severo do que o criado pela perseguição do regime chinês ao Falun Gong. Por exemplo, o número mais elevado de mortes numa supressão do budismo foi durante o reinado do Imperador Wuzong na Dinastia Tang. Cerca de 300 budistas foram mortos.

Durante o período do Imperador Wu Di (Yu Wen Yong, 561-578) da Dinastia Zhou do Norte, vários milhões de religiosos budistas foram convidados a retornar ao mundo secular, onde poderiam continuar a praticar o budismo como budistas leigos.

O Imperador Shizong da Dinastia Zhou Posterior foi ainda mais sutil. Ele só estipulou que era preciso obter o suporte dos pais ou parentes antes de se tornar um monge ou monja, e que os budistas deveriam ir a altares públicos designados para fazer os votos. Enquanto isso, alguns rituais religiosos que eram prejudiciais ao corpo físico foram proibidos.

Durante a maior parte da história chinesa, propagar o budismo e o taoismo era permitido. Alguns imperadores, familiares dos imperadores, e outros membros da elite social eram adeptos do budismo ou taoismo. Depois que o PCC ganhou o poder, ele empregou um método completamente diferente e muito mais rígido de controle e monitoramento das religiões.

2. O segundo ângulo: Todas as dinastias mantiveram um olhar atento sobre as religiões populares. Nas dinastias Ming e Qing, a religião popular foi considerada como uma fonte de rebeliões. Além do confucionismo, budismo e taoismo, sempre houve várias religiões populares na China. Não tem sido feito muita pesquisa nesta área. O historiador das religiões Wang Qingde escreveu um artigo em 2010 intitulado “Retrospectiva sobre os 100 anos de história das religiões populares chinesas”. Em seu artigo, Wang discorreu através dos estudos de religiões populares feito por estudiosos chineses e enumerou os prós e contras.

Ele ressaltou que foi o estudioso holandês Jan J. M. de Groot (1854-1927) que incluiu as religiões populares chinesas como parte do sistema cultural chinês. Não foram as elites sociais chinesas que geralmente desprezavam as religiões populares. Entre 1892 e 1910, Groot escreveu “O sistema religioso da China”. Groot também escreveu “As famílias chinesas de religião e a perseguição religiosa”. Nestes livros, Groot focou nos aspectos não regulados, nos aspectos não sistemáticos da religião popular e seus costumes, na tentativa de estabelecer um sistema de religião popular chinesa.

Na década de 1940, Chen Rongjie, um especialista chinês em religião, concluiu que as atividades religiosas chinesas podem ser classificadas em duas categorias. A primeira é a das religiões populares, praticadas pelo “popular mediano”. A segunda é o grupo organizado das três grandes religiões, a saber, o confucionismo, o budismo e o taoismo. Pessoas bem-educadas e, portanto, mais esclarecidas seguiam as três religiões. Tal categorização deu a religião popular seu status social. Este pouco de avanço acadêmico foi completamente destruído pela cultura política do PCC.

3. A tensão entre a religião e o PCC nunca foi tão intensa. Isto é devido à ideologia comunista em si mesma.

No campo das ciências sociais, só o comunismo explica o valor supremo do ser humano. Isto é único do comunismo, porque nenhuma outra ciência social sequer tenta explicar isso. Só a religião fornece a explicação definitiva. Todas as entidades políticas que acreditam no comunismo estabelecem ditaduras. Eles querem expandir seu controle não sobre o mundo e a mente humana, mas também no mundo divino, oferecendo uma explicação final para as coisas do mundo. Portanto, eles consideram todas as religiões como teorias não ortodoxas e malignas que ameaçam seu poder. Eles consideram todos os grupos organizados como ameaças a seu regime.

Esta é a causa raiz da tensão entre a religião e o PCC. Após as reformas da década de 90, o PCC relaxou a proibição às religiões organizadas, como o budismo, o taoismo e o catolicismo, mas nunca permitiu que as religiões populares existissem. O estudo da história religiosa descreve a cultura da ditadura, em que as limitações das religiões são na sua maioria políticas.

Porque as religiões populares definiram as crenças dos membros das classes mais baixas da sociedade, eles se opunham às instituições em níveis mais elevados da sociedade. Sua organização era independente da unidade social maior. Algumas religiões populares, por exemplo, a Seita do Lótus Branco, na verdade, se tornaram a principal oposição ao governo. Portanto, o governo proibiu tais religiões populares e reforçou a proibição através de seu sistema legal. Nas dinastias Ming e Qing, tais religiões populares foram rotuladas de cultos. Os estudiosos hoje concordam com esta definição.

Devido a isso, o Falun Gong começou como uma forma de qigong, não como uma religião. Caso contrário, não teria havido espaço para ele se espalhar.

Em 2000, Pequim decidiu erradicar o Falun Gong. Em 2008, o público se deu conta dos problemas de Pequim no Tibete e em Xinjiang, quando o revezamento da tocha olímpica começou. O povo chinês começou a perceber vagamente que o maior problema no Tibete era a religião e que o maior problema na região de Xinjiang também era a religião. Os embates político-culturais do PCC com o budismo tibetano e com o Islã em Xinjiang. O povo chinês tem sido domesticado a concordar com o governo que a erradicação de “cultos” é necessária e, portanto, tomou o partido do governo na erradicação do Falun Gong. Mas em termos de Tibete, Xinjiang e as igrejas cristãs caseiras, os chineses estavam confusos.

Como interpretar o fenômeno religioso? O historiador francês Marc Bloch disse uma vez que a religião “é como um nó conectando estruturas sociais muito diferentes e espíritos sociais. Simplificando, a religião se relaciona com o ambiente de toda a humanidade.” Para que qualquer religião, incluindo a religião popular chinesa, possa começar e se espalhar, ela deve ter uma forte motivação que está profundamente enraizada na sociedade. Deve também assumir certas funções sociais, tais como aconselhamento psicológico, interação social, resgate e apoio, manter a forma física, combater doenças e até mesmo ganhar a vida. Além de todas estas funções, a função mais importante da religião é a ligação espiritual.

Os confrontos entre política e religião na China se tornarão a principal questão na sociedade chinesa. Se Pequim só utiliza a violência política para reprimir e erradicar as religiões, a tensão aumentará entre política e religião, os confrontos entre o governo e várias entidades religiosas também aumentarão.

He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea