Funai quer expulsar 201 fazendeiros em demarcação de 360 mil hectares entre o Mato Grosso e Pará

Por Danielle Dutra
31/07/2023 21:09 Atualizado: 31/07/2023 21:17

Publicado no Diário Oficial da União, na sexta-feira (28), um projeto aprovado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) propõe demarcar uma área de 362.243 hectares entre o Mato Grosso e Pará, para cerca de 60 pessoas dos povos indígenas Mebêngôkre e Yudjá. Se aprovado, 201 “ocupantes não-indígenas”, a maioria proprietários de fazenda, terão que desocupar a região. O documento está aberto para contestações nos próximos 90 dias. Após esse prazo, a Funai encaminhará o pedido ao Ministério da Justiça

De acordo com o documento (disponível aqui), a aldeia Kapôt Nhinore” (Pastana/Juruna) é a única permanente na área contando com “pouco mais de 60 habitantes”. O local possui energia elétrica há alguns anos devido ao programa Luz para Todos, possui um posto de saúde com agente de saúde da própria comunidade e uma escola com 33 alunos de diferentes idades. 

Ainda consta no documento que o declínio populacional se deu pela “força das epidemias, conflitos ou mesmo do genocídio deliberado” causados pelos conflitos na região e que a “demarcação da TI Kapôt Nhinore é essencial para resguardar o modo de vida dos Mebêngôkre Metyktire, em larga medida voltado a um esforço contínuo de ‘fabricação da pessoa’ ”. 

Três municípios terão parte de seus territórios afetados:  Santa Cruz do Xingu e Vila Rica no noroeste do Mato Grosso, e São Félix do Xingu no sudeste do Pará. Boa parte da área está sobreposta ao Parque Estadual do Xingu, região já demarcada.  Além disso, a área delimitada é composta em sua maioria por propriedades privadas, protegidas por lei, pertencentes a fazendeiros e empresas ligadas ao ramo agropecuário

Área reivindicada para demarcação dos povos indígenas Mebêngôkre e Yudjá. Com uma extensão de 362.243 hectares e perímetro aproximado de 508 km, a região é localizada nos Municípios de Vila Rica e Santa Cruz no Mato Grosso e São Félix no Pará (Imagem Diário Oficial da União)

O documento traz um quadro com o nome dos proprietários e as informações de suas respectivas terras. De acordo com o projeto, não haverá “prejuízo de qualquer particular que, eventualmente, tenha interesse em oferecer, na forma da Lei, contestação administrativa ao processo demarcatório.”

 “O Chamado Raoni

O projeto foi apresentado durante o evento “O Chamado Raoni” no Mato Grosso, que começou na segunda-feira (24) e seguiu até sexta-feira (28), e contou com a presença da presidente da Funai, Joenia Wapichana, com o  presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara — além de 800 indígenas, sendo 54 representantes dos povos originários, e outros representantes políticos.

Promovido pelo cacique Kayapó Raoni Metuktire, de 93 anos, a região delimitada também abriga a aldeia onde o cacique nasceu. O evento gerou um manifesto que cobra do Estado brasileiro um posicionamento contra o marco temporal –  tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição   até 9 de agosto, data comemorativa do Dia Internacional dos Povos Indígenas, além de ações contra os impactos das mudanças climáticas

Interesse estrangeiro

O Epoch Times conversou com uma ativista indígena originária da região do Xingu que preferiu permanecer anônima por medo de represálias. Ela relatou preocupações com essa proposta de demarcação e ressaltou o interesse de ONGs estrangeiras na exploração de “terras raras” na região. 

O interesse estrangeiro em ‘terras raras’ no Brasil tem aumentado nos últimos anos. O termo se refere a metais e minerais utilizados para uma gama de aplicações industriais, incluindo a fabricação de smartphones e motores de carros elétricos. Entre eles estão neodímio lantânio, térbio, neodímio, gadolínio e praseodímio. Considerado como o ‘o ouro do futuro’, esse tipo de matéria-prima é abundante no país e o Brasil fica apenas atrás da China ao considerar a capacidade de extração

Segundo a ativista, a região é rica nesse tipo de matéria-prima, e, ao ser demarcada, fica à mercê de organizações estrangeiras que podem explorar a região sem serem fiscalizadas. Ela comparou a nova proposição aos eventos da controversa região de Raposa Serra do Sol — área onde a demarcação foi marcada por conflitos, expulsão de não-indígenas, isolamento de moradores locais e outras complicações (leia mais a respeito aqui). 

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