Estudo usava crianças chinesas como ‘cobaias’ para testar arroz híbrido

09/09/2012 07:51 Atualizado: 09/09/2012 07:51
Agricultores chineses trabalham numa plantação de arroz híbrido em 20 de junho de 2006, na cidade de Changsha, província de Hunan. (Guang Niu/Getty Images)

Chineses reagem furiosos, oficiais negam ter conhecimento

Não é sempre que notícias sobre um estudo científico aparecem como primeiro item nos principais buscadores da China. Mas, pelos últimos dias, as manchetes das mídias chinesas têm alardeado sobre uma universidade norte-americana realizando experiências em crianças chinesas com arroz geneticamente modificado.

Alimentos geneticamente modificados são geralmente vistos com desconfiança na China e a ideia de que oficiais do governo permitiriam que estrangeiros, nesse caso norte-americanos, experimentassem com crianças chinesas seria muito ruim para a imagem das autoridades comunistas.

A polêmica veio à tona após o Greenpeace publicar em seu blogue um ataque contundente sobre o projeto, descrevendo-o como transformar crianças em “cobaias”. O produto testado foi o Arroz Dourado. Os experimentos foram parte de um projeto de 10 anos envolvendo uma variedade de organizações internacionais para ver se o arroz geneticamente modificado poderia fornecer mais vitamina A para crianças.

Mas isso é cientificamente controverso e, na China, politicamente perigoso. Talvez sentindo a natureza explosiva da história, a administração da cidade de Hengyang, no centro-sul da China, província de Hunan, onde os experimentos aconteceram, respondeu imediatamente, negando que o arroz geneticamente modificado tivesse sido utilizado no estudo.

Em 5 de setembro, o Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, uma agência central do Estado, também refutou a alegação de que o arroz geneticamente modificado tenha sido usado. Eles fizeram outra declaração no mesmo dia dizendo que Shi-an Yin, um pesquisador baseado na China, estava envolvido no projeto, mas disse que não sabiam se o Arroz Dourado tinha sido usado no estudo. Essa afirmação entra em conflito com a linguagem do registro do ensaio clínico e do próprio estudo, que se refere explicitamente ao Arroz Dourado, que é geneticamente modificado.

O arroz foi dado a 24 crianças de 6 a 8 anos numa escola primária em Hengyang de julho de 2008 a janeiro de 2009. Os resultados do estudo foram publicados em 1º de agosto deste ano no American Journal of Clinical Nutrition (AJCN). O estudo do AJCN diz que a avaliações éticas ocorreram tanto nos Estados Unidos como na Academia de Ciências Médicas de Zhejiang na China. “Os pais e os alunos concordaram em participar do estudo”, disse o artigo.

Cada criança foi servida com 60 gramas de Arroz Dourado diariamente no almoço por 21 dias, com a conclusão de que o Arroz Dourado é “tão eficaz quanto puro betacaroteno em óleo e melhor do que o espinafre para fornecer vitamina A para crianças”.

Críticos como Dave R. Schubert, um especialista em neurobiologia celular do Instituto Salk para Estudos Biológicos na Califórnia, diz que alimentar crianças com arroz geneticamente modificado é imprudente. “Nós não sabemos se este produto da engenharia genética pode prejudicar as pessoas, não houve trabalho para testar seu potencial de toxicidade”, escreveu ele por e-mail.

Ele indica que é possível que os retinoides, que podem ser moléculas “excepcionalmente tóxicas”, possam ser produzidos pelo arroz. “Desde que não houve qualquer teste de segurança do Arroz Dourado em animais ou seres humanos, acredito que foi excepcionalmente tolo alimentar crianças com este Arroz Dourado”, escreveu ele.

O experimento foi conduzido na China, supôs ele, “provavelmente porque não poderia passar pelo processo de avaliação necessário para fazer este tipo de ensaio clínico nos EUA”.

As crianças podem ser especialmente sensíveis a potenciais riscos de saúde envolvidos no arroz transgênico. Um relatório da Sociedade Real de Londres disse que 6 a 8% das crianças tiveram alergias alimentares e um alergênico desconhecido em alimentos GM representa o maior risco para crianças.

O Dr. Guangwen Tang da Universidade Tufts em Boston, o principal autor do estudo, e seu coautor Gerard E. Dallal, também na Tufts, não responderam a e-mails ou mensagens de correio de voz solicitando comentários.

Jennifer Kritz, uma porta-voz da Universidade, enviou uma declaração dizendo que a universidade estava “profundamente preocupada” com o assunto. “O propósito do teste China 2008 foi testar o Arroz Dourado como parte da solução para um problema de saúde muito sério nos países em desenvolvimento, a cegueira de um quarto de um milhão de crianças, e a morte de metade delas, devido à deficiência de vitamina A.”

O comunicado não fornece pormenores adicionais sobre a pesquisa. Foi indicado que uma “revisão completa” estava em andamento e que “seria inapropriado especular mais sobre o assunto neste momento”.

A mídia chinesa e internautas se irritaram principalmente com as autoridades chinesas por permitirem que a investigação ocorresse e depois negarem que tivesse ocorrido.

Em 3 de setembro, o Jinghua Times disse, “Os Estados Unidos já admitiram ter usado crianças de Hunan no experimento, mas o governo de Hunan apenas disse, ‘Não temos nenhuma associação direta.’ Se ambos dizem a verdade, a única explicação plausível é que o experimento foi realizado por uma associação intermediária.”

Comentaristas do website do Greenpeace chinês disseram que achavam que o regime tentava encobrir o assunto. “Eu sinto que o experimento foi conduzido em segredo. Alimentos geneticamente modificados ainda encontram forte resistência na China, eu não acredito que os pais concordariam com a experiência”, escreveu um usuário.

O China Daily, a principal mídia do regime comunista chinês para propaganda externa, questionou a resposta evasiva dos oficiais do regime. “A primeira e principal prioridade das autoridades centrais deveria ser descobrir a verdade e dissipar as dúvidas que as pessoas têm sobre este assunto”, foi escrito num artigo.

Com a pesquisa de Ye Qinqin.