Enchente recente de Pequim e fim da caridade na China

15/08/2012 03:00 Atualizado: 02/11/2013 12:33

Chineses mantêm suas bolsas fechadas

Depois das tempestades de 21 de julho que inundaram severamente Pequim e reivindicaram numerosas vidas, o ex-prefeito de Pequim, Guo Jinlong, anunciou uma ação de caridade para alívio do desastre, mas poucas pessoas responderam.

Depois do terremoto de Sichuan em 2008, muitas pessoas de toda a China doaram dinheiro e muitos até foram para a zona do terremoto para ajudar voluntariamente nos esforços de resgate. A reação de ajuda popular levou o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao a comentar que tempos de desastre fortalecem uma nação.

Mas a conduta das autoridades chinesas nos últimos quatro anos tem feito o público em geral perder sua confiança no regime e mostrar relutância nas últimas semanas a doar dinheiro para a ação de socorro de Pequim.

A seguir estão as principais razões por que as pessoas se recusam a doar:

1. Pequim é sustentada por recursos de toda a nação e se tornou a cidade com o maior consumo. Ela também adquiriu certa arrogância como capital da nação. Um oficial de Pequim chegou a propor uma política para limitar os não-residentes de Pequim a viverem ali.

Para apoiar o crescimento econômico de Pequim, os 32 municípios próximos a Pequim se tornaram fonte de água para a cidade e servem como uma barreira ecológica. Eles são restritos em seu desenvolvimento industrial e poder de decisão. As áreas ao redor de Shanghai e Guangzhou têm se beneficiado da proximidade destas grandes cidades, só Pequim está rodeada pelo “cinturão de pobreza de Pequim-Tianjin”. Isso fez as pessoas que vivem ao redor de Pequim, e mesmo em toda a China, sentirem que estão sendo usadas.

2. Oficiais abusam do seu poder e se apropriam dos recursos públicos do país. O regime comunista retém pelo menos um terço do produto interno bruto (PIB) da China para si, com mais de metade acabando nos bolsos dos oficiais.

Muitos chineses estão furiosos com a corrupção desenfreada entre oficiais, incluindo os “três consumos públicos”, o uso de fundos públicos para carros, banquetes e viagens ao exterior.

De acordo com estatísticas de 2010, o salário médio anual dos 50 milhões de funcionários públicos na burocracia chinesa foi de 70.400 yuanes (11 mil dólares), mais de seis vezes a renda média dos residentes urbanos (11.759 yuanes) e mais de 20 vezes a renda média rural (3.587 yuanes).

3. Muitos dos desastres naturais na China são na verdade catástrofes provocadas pelo homem porque o regime chinês não tem qualquer senso de responsabilidade. Ele não considera os benefícios do povo em longo prazo e as autoridades só agem em seu próprio interesse.

A enorme destruição ambiental nos últimos anos tem feito os chineses perceberem que o regime é o verdadeiro culpado. Muitos oficiais corruptos e empresas antiéticas trabalham em conjunto, criando projetos que poluem o ar e o meio ambiente. O regime até mesmo classifica os dados ambientais como segredo de Estado.

4. Muitas pessoas se tornaram conscientes de que sempre que as autoridades iniciam uma campanha de doação para desastres, parcelas dos fundos são desviadas por funcionários em todos os níveis do governo e no final resta muito pouco para as vítimas do desastre.

O dinheiro suado que o povo doa pode acabar nas contas de funcionários no exterior ou sendo gasto em carros de luxo, design de moda, joias e bolsas para amantes, como foi o caso no escândalo Guo Meimei (Guo se identificou como uma representante da Cruz Vermelha e ostentava em seu blogue, com fotos, seu luxuoso estilo de vida).

Um relatório publicado em 17 de agosto de 2009 pela revista Caijing de Pequim disse, “… uma investigação revelou um fato constrangedor sobre o sistema chinês de filantropia. A grande maioria dos 76 bilhões de yuanes (12 bilhões de dólares) de doações do público [para as vítimas do terremoto de Sichuan] caiu nas mãos dos departamentos governamentais. Não há relato de como o dinheiro foi gasto ou o resultado disso.”

5. Nos últimos 20 anos, a corrupção tem sido galopante em Pequim. O escândalo de corrupção de Chen Xitong, o ex-prefeito de Pequim e membro do Politburo na década de 1980, é pequeno em comparação com a corrupção dos funcionários de hoje em Pequim.

Em 2006, o vice-prefeito de Pequim, Liu Zhihua, estava envolvido num caso grave de corrupção.

De 2007 a 2011, um total de 2.917 funcionários nos departamentos de inspeção e supervisão de Pequim foi acusado de corrupção. A maioria de seus crimes estava relacionada com a corrupção em projetos de construção, particularmente no processo de licitação. Esses projetos, obviamente, incluíam edifícios públicos na cidade e no deficiente sistema de drenagem subterrânea.

Todos os incidentes acima mencionados estão profundamente gravados na memória das pessoas. Então, quando o prefeito Guo Jinlong tentou convocar uma ação de captação de recursos em toda a cidade, que motivo os moradores de Pequim, que ainda se recuperavam do choque do desastre, teriam para doar?

Para evitar uma situação embaraçosa, as autoridades mobilizaram militares e empresas estatais, instituições e empresas para doarem para o fundo de alívio.

De acordo com uma reportagem no News.163, do total de 60 milhões de yuanes (9,4 milhões de dólares) de doações recebidas, 220 mil yuanes foram doados por funcionários municipais, enquanto cinco celebridades deram cada uma 100 mil yuanes. A maioria do resto foi doado por empresas estatais e instituições.

Assim, pode-se dizer que a tempestade desastrosa de 21 de julho marcou o fim da caridade pública na China.

He Qinglian é uma proeminente autora chinesa e economista que atualmente vive nos Estados Unidos. Ela é autora de “China’s Pitfalls”, que trata da corrupção na reforma econômica da China da década de 1990, e “The Fog of Censorship: Media Control in China”, que aborda a manipulação e restrição da imprensa. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea