Dissidente chinês pega 10 anos por escrever artigos

25/03/2011 00:00 Atualizado: 25/03/2011 00:00

''Liu Xianbin, maior que a vida'', num cartaz em Hong Kong. Adeptos protestam sua detenção em 27 de agosto de 2010. (Mike Clarke/AFP/Getty Images)

O dissidente chinês Liu Xianbin foi exibido no tribunal na sexta-feira e após duas horas foi condenado a dez anos de prisão. Liu foi condenado com a acusação vaga, mas perigosa, de “incitar à subversão contra o poder do Estado”, através dos artigos que ele havia escrito advogando a democracia.

O juiz na corte de Suining, na província de Sichuan, interrompeu repetidamente Liu quando este tentava dar seu depoimento, relatou sua esposa a várias mídias ocidentais na China. Mas ele ainda conseguiu gritar “Eu não sou culpado.”

Observadores veem a severa sentença como parte de um atentado geral, frequentemente repetido nos últimos anos, para extinguir o crescente grupo de advogados de direitos humanos, ativistas democráticos, e outras vozes que apelam pela sociedade civil na China.

“Na verdade, é muito simples. É exatamente o que eles vêm fazendo ao longo dos últimos anos. Eles querem esmagar este grupo de pessoas”, disse Guo Guoting, um advogado chinês de direitos civis que vive no Canadá, numa entrevista por telefone.

“O estado do Partido [Comunista] está realmente despencando na ilegalidade”, disse Kelley Currie, um membro sênior do Projeto Instituto 2049, baseado em Washington DC. “É parte de uma tendência mais ampla, onde você pode vê-los completamente intolerante com a dissidência, qualquer coisa que desafia abertamente o sistema ou fala sobre a ilegitimidade da liderança do Partido Comunista Chinês”, disse ela.

Joshua de Rosenzweig da Fundação Duihua, um grupo com foco nos direitos civis na China, escreveu algo no mesmo sentido no Wall Street Journal em 24 de março: “Comparado com as campanhas de supressão anteriores, esta é mais assustadora por causa de sua ilegalidade flagrante.”

O caso de Liu é ligeiramente diferente porque a lei foi ostensivamente usada. Mas há imensos problemas mesmo nas armadilhas jurídicas com as quais o Partido Comunista Chinês (PCCh) vem tentando dourar a punição, diz Guo.

“Mesmo indo de acordo com as normas do PCCh, é um julgamento que perverte totalmente a lei”, Guo escreveu em um e-mail. Ele destacou que a linguagem no artigo 105 do código penal chinês, que lida com a subversão do poder estatal, supõe o uso da violência. “Mas Xianbin Liu nunca fez nada remotamente violento”, escreveu ele.

A acusação particular tem sido utilizada pelas autoridades durante anos, e tem sido matéria de longas discussões por grupos de direitos humanos.

Em 1998, Liu foi o membro fundador do Partido Democrático da China com sede em Sichuan. O grupo não durou muito, porém, em 1999, Liu foi enviado para a prisão por 13 anos. A acusação foi, assim como desta vez, “subversão do poder estatal”.

Outros grupos de democracia fundados nos anos mais recentes têm enfrentado o mesmo desmantelamento severo. Guo Quan, outro ativista que fundou o Partido da Nova Democracia na China, está em seu terceiro ano de uma pena de 10 anos proferida em 2009.

Depois de Liu ser solto em 6 de novembro de 2008, ele voltou a seu ativismo pela democracia. Artigos que ele escreveu para publicações dissidentes no exterior despertaram a ira do PCCh, e ele foi detido em 27 de junho de 2010.

No mês seguinte, promotores do Partido compilaram uma lista de suas declarações como provas contra ele. Ele havia escrito que “a regra do Partido Comunista sempre foi caracterizada por grande pressão e terror”, e que os chineses vivem sob o “aterrorizante governo da polícia política, vivendo suas vidas mecanicamente como escravos”.

Isto foi “difamar a Ditadura Democrática Popular”, disseram os promotores.

Guo, ex-advogado, se refere à sentença como um forte sinal das autoridades aos colegas de Liu. Ele usou a bem-conhecida frase chinesa: “matar a galinha para assustar os macacos”.

Muitos veem no aumento das táticas ferozes das autoridades uma espécie de desespero.

Desde 2008, o Partido passou dos medos habituais sobre a sua legitimidade até estar “completamente alucinado”, disse Kelley Currie em uma entrevista por telefone. “É um regime de pouca confiança, a sua legitimidade está enraizada em coisas que são extremamente transitórias”, disse ela.

Com uma economia desequilibrada sofrendo problemas estruturais, o aumento na instabilidade social e uma sociedade civil que está tentando emergir, o partido está tendo sérias dificuldades em se manter agarrado aos mecanismos do poder, afirmou Currie.

“Houve uma constante sucessão de coisas que os assustou de uma forma muito séria”, disse ela, por isto o recente golpe aplicado a Liu “não surpreende”.

Zheng Cunzhu, ativista de longa data pela democracia e organizador do Partido Democrata da China, não acha que a repressão vai ajudar. “Quanto mais eles fazem isto, mais você pode ver que não está funcionando”, disse ele por telefone.

Ele acrescentou: “A ditadura de um-partido-único quer criar uma ‘sociedade harmoniosa’, mas os monopólios e injustiças são inevitáveis. As pessoas comuns começam a defender apenas os seus próprios direitos”, antes de perceber gradualmente que “a menos que haja uma mudança no sistema, eles nunca terão os seus direitos”, afirmou ele.

“O mundo quer a democracia. Não há como deter isto”, disse ele.

Mesmo severamente restrita, a comunidade dos ativistas de direitos humanos na China está fazendo o que pode. No Twitter, eles circularam o número da conta bancária da esposa de Liu, pedindo doações diretas.